ultura 1.0
Para Sacco, a análise da cultura pode ser vista como feita de três etapas que se sucedem no tempo. Nas sociedades pré-industriais o modelo predominante, a Cultura 1.0, investe o artista ou intelectual de um relevo simbólico, apadrinhado pelos mecenas ou pela igreja, em suma, os detentores de recursos e de poder em sociedades bastante desiguais. Quem usufruía? Esses mesmos, os poderosos, ou as massas, em cerimónias públicas intermediadas pela religião e pelo poder. A proximidade da cultura dispensava prestígio e reputação, mas a cultura não era ainda um setor em si mesmo, vivia antes da vontade discricionária dos poucos poderosos e dos poucos inspirados. Alguns dos mais resilientes símbolos de produção cultural foram criados assim, e ainda hoje inspiram multidões ao turismo e à fotografia. Esta visão da produção cultural resiste, em sentido lato, no nosso tempo.
Cultura 2.0
Na fase seguinte, que podemos alcunhar de Cultura 2.0, a emergência da indústria e das sociedades de mercado, em conjunção com o avanço da democracia e do Estado moderno, angariou recursos, até aí apenas imaginados, para o seio da produção cultural. As audiências culturais alargam-se, os privilégios das classes regentes são postos em causa. A generalização da educação pública e as novas tecnologias aplicadas ao papel, ao som, à fotografia e ao cinema popularizam as encarnações da cultura, agora também como entretenimento. A rádio e a televisão multiplicam essa proximidade das massas. O poder de compra e o tempo de lazer dos trabalhadores fazem explodir uma “indústria” de entretenimento. Enquanto as audiências crescem, o número de produtores de cultura continua limitado pelos custos fixos dos novos instrumentos culturais. A cultura, agora claramente latu sensu, torna-se uma parte importante da economia.
Cultura 3.0
Finalmente, e apenas nos últimos decénios, a Cultura 3.0 entra em cena. As inovações tecnológicas expandem incrivelmente as possibilidades de fruição e de criação culturais. Todos, ou quase todos, podem transitar facilmente entre consumidores a produtores, e a noção de autoria, como a de audiência, mudam de forma dramática. A cultura torna-se um elemento quotidiano, parte da textura das sociedades e economias, afetando, simultaneamente, as ideias e os hábitos de consumo. Muitas das novas transações culturais evidenciam uma natureza não comercial, mas muitas ressuscitam o poder primordial, simbólico, das primeiras grandes trocas culturais.
E o património?
Tradicionalmente agarrado ao edificado, ao material e àquilo que o Estado está interessado em preservar e transmitir, a área do património resiste a muitas das mudanças que a transição da Cultura 1.0 para a 3.0 implicam. O diálogo com o mercado e com o mundano, a acessibilidade a novos públicos e a capacidade de refletir as interrogações rítmicas do político são hoje fundamentais para uma nova valorização do património. Uma abordagem que promova a transação e a festa, a par com a preservação. Os exemplos de inovação extraordinária abundam e a gestão do património cultural deve assumir-se como uma nova ferramenta de diálogo entre os vestígios valiosos do passado e o ritmo maravilhoso do presente. Três ponto quê?
Este artigo foi elaborado com referência a José Tavares (2014), “Cultura e Desenvolvimento: Um Guia Para os Decisores”, disponível aqui.