Num momento em que a velocidade da mudança não tem precedentes na história da humanidade, a disrupção deixou de ser uma eventualidade e passou a ser uma inevitabilidade - e quando toda a gente trata a Inteligência Artificial como a salvação, seria de esperar que a inovação fosse considerada pelas empresas como uma prioridade crítica.
Porém, um relatório do Boston Consulting Group, publicado em junho de 2024, alerta para um paradoxo alarmante: embora 83% dos executivos classifiquem a inovação como uma das três principais prioridades para as duas organizações, a prontidão para inovar caiu drasticamente, com apenas 3% das empresas a assumirem-se “preparadas” para inovar de forma eficaz.
Os sistemas de inovação, que deveriam ser os motores de crescimento e transformação, foram gravemente afetados por uma série de crises globais, desde a pandemia até às crescentes tensões geopolíticas e mudanças económicas. Esta instabilidade, à qual se juntam as previsões cada vez mais consistentes de uma estagnação económica, forçaram muitos líderes a focarem-se na agilidade de curto prazo, negligenciando os investimentos e sistemas necessários para sustentar a inovação de médio e longo prazo. O impacto é evidente: há um “inverno orçamental” generalizado na inovação e muitos sistemas de inovação nas empresas tornaram-se “zombies” (expressão do relatório), mantendo atividades de inovação sem direção clara, o que resulta em processos ineficazes e na falta de criação de valor real (ou aquilo a que há muito chamamos de “teatro da inovação”). O relatório é claro: a estratégia de inovação não está alinhada com a estratégia de negócios, de acordo com 52% dos inquiridos.
Voltemos ao princípio: achamos mesmo que desinvestir em inovação é a melhor forma de nos protegermos da incerteza do futuro? Este paradoxo tem tanto de preocupante como de absurdo. E tem de ser desconstruído. Eis cinco ideias fundamentais para esse efeito:
1. Reforçar a ligação entre estratégia e inovação
Muitas empresas falham porque tratam a inovação como uma entidade separada da sua estratégia geral: inovam por FOMO (Fear Of Missing Out – medo de ficar de fora, em tradução livre), sem considerar quais são os desafios concretos que devem endereçar. A primeira (e mais urgente) ação é integrar ou conectar a inovação diretamente com a estratégia. Para quebrar o ciclo de inovação sem impacto é preciso começar por definir claramente o papel da inovação no sucesso a longo prazo da empresa e alinhar os seus investimentos com os objetivos estratégicos. A inovação precisa de ser um meio, não um fim.
2. Equilibrar a inovação de longo prazo com a agilidade de curto prazo
A segunda ideia aborda a obsessão pelo curto prazo. Muitas empresas, pressionadas pela incerteza económica e pela necessidade de resultados imediatos, optam por iniciativas de inovação incremental, de curto alcance, que oferecem retornos rápidos, mas limitados. Nada contra. Mas ao fazê-lo estão a minar, a longo prazo, a capacidade da empresa para inovar de forma estratégica, sistemática e contínua. O futuro pertence às empresas capazes de equilibrar a eficiência e a otimização com a transformação e a disrupção. Sem uma visão clara do futuro e da necessidade de desafiar o status quo, a inovação torna-se um exercício de manutenção em vez de um garante da longevidade das empresas.
3. Construir uma cultura de inovação orientada para a execução
A cultura é frequentemente citada como uma barreira à inovação. Errado: a cultura é um fator crítico de sucesso da inovação. Uma cultura de inovação pressupõe lideranças fortes e processos inteligentes, capazes de estimular a execução disciplinada de uma estratégia que equilibre a eficiência com a experimentação.
4. Recalibrar os sistemas de gestão da inovação
Muitos dos problemas que as empresas enfrentam em relação à inovação têm origem numa gestão desadequada. Sem uma estrutura clara de gestão que alinhe as pessoas, os recursos e as oportunidades com os domínios de inovação certos, é improvável que os esforços de inovação produzam resultados significativos.
A inovação bem-sucedida requer um sistema robusto de gestão de portefólio, no qual os investimentos são cuidadosamente alinhados com as áreas de maior potencial de transformação.
Além disso, importa que os modelos de gestão da inovação envolvam toda a organização no portefólio de projetos.
5. Usar tecnologias emergentes para acelerar o ciclo de inovação
O relatório do BCG destaca o potencial transformador da Inteligência Artificial Generativa (Gen AI). Essa adoção deve ser promovida de forma estruturada e refletida. Passada a “febre do AI”, importa descer à terra e compreender os processos e as etapas de inovação que podem ser profundamente melhorados e acelerados pela IA.
Em suma, este paradoxo da inovação não é inevitável, mas quebrá-lo requer ação estratégica e liderança determinada. As empresas que desejam sobreviver e prosperar num mundo em constante transformação têm de compreender a natureza estratégica da inovação e o seu papel na construção de novos ciclos de competitividade e longevidade.
Estratégia sem inovação é como navegar sem bússola: pode manter-nos à tona por um tempo, mas jamais nos levará ao destino certo.
Este texto trata-se de uma republicação de um artigo publicado na Exame.