Em 2013, as regras e orientações que regem a escolha dos membros de órgãos sociais de instituições financeiras estabeleceram a corresponsabilização das instituições financeiras e dos indivíduos propostos, através de princípios e critérios de avaliação denominados Fit and Proper. A palavra Fit está relacionada com a avaliação da competência técnica e a capacidade para cumprir as responsabilidades que os esperam. A palavra Proper respeita a avaliação da integridade e adequação à função.

O reforço do Governance

Foi aprovada em 2013, pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, uma diretiva que introduz alterações qualitativas significativas no processo de avaliação (Fit and Proper), exigido para a qualificação dos membros de órgãos sociais de instituições financeiras. Estas regras e orientações estabelecem a corresponsabilização das instituições financeiras e dos indivíduos propostos – e, de certa forma, a dos supervisores, pois é deles que emana a decisão final – no processo da sua escolha para o exercício de funções nas instituições financeiras. Estabelecem princípios e critérios de avaliação denominados Fit and Proper. A palavra Fit está relacionada com a avaliação da competência técnica – académica e profissional – e a capacidade para cumprir as responsabilidades dos seus cargos de membros dos órgãos sociais. A palavra Proper respeita à avaliação da integridade e adequação à função.

A avaliação do F&P resultou da necessidade de corrigir deficiências na gestão, identificadas no governo dos bancos que levaram a gestão à assunção de riscos excessivos e permitiram práticas de remuneração [1] inadequadas. Eram focadas nos resultados imediatos, o que lhes permitia qualificarem-se para bónus –remuneração variável– sem considerarem os riscos de longo prazo que decidiam.

Aquelas orientações têm por objetivo melhorar a cultura financeira e desenvolver gestores capazes de tomar decisões que resultem em ‘bom lucro’ e organizações sustentáveis. Em especial, com capacidade e resiliência que evite excessos e perdas evitáveis resultantes de decisões conducentes à instabilidade financeira.

Esse objetivo tem, de certa forma, subjacente uma componente de ‘espírito de missão’ que salvaguarde um bem coletivo – as Instituições Financeiras. Salvaguardando, em especial, os principais stakeholders – os depositantes –, pois estes detêm em conjunto uma liquidez mais elevada do que os acionistas detêm em capital e os obrigacionistas em empréstimos. A evolução da complexidade da atividade financeira, nomeadamente a sua globalização, reforça a necessidade e a consequente exigência de pessoas mais preparadas, pessoal e profissionalmente, tanto nas instituições financeiras como nas autoridades de supervisão, para poderem ter a capacidade de tomar decisões informadas. O conceito de F&P [2] está intimamente ligado ao governo da sociedade na Diretiva n.º 2013/36/UE, de 26 de junho de 2013, a qual revê o acesso à atividade das instituições de crédito e empresas de investimento, bem como à supervisão prudencial das mesmas.

Esta Diretiva é complementar a orientações da EBA – European Banking Authority [3] e da ESMA – European Securities and Markets Authority, bem como da NCA [4] – Autoridades Nacionais Competentes. Em Portugal concretiza-se com alterações introduzidas, nomeadamente, ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (‘RGICSF’) e pela Instrução n.º 12/2015, do Banco de Portugal (NCA nacional) quanto ao F&P dos titulares de cargos com funções de administração (administradores executivos) e fiscalização (administradores não-executivos e membros de conselhos fiscais), com o objetivo de assegurar a gestão sã e prudente das instituições. O novo RGICSF estabelece que a avaliação da aptidão dos membros dos órgãos de administração e fiscalização, bem como de quem desempenha funções essenciais, que o Banco de Inglaterra denomina SMR - The Senior Managers Regime - cabe, em primeira linha, à instituição que deve estabelecer uma rigorosa política de seleção e avaliação da adequação dos membros dos seus órgãos, bem como à composição do mesmo na globalidade.

Esta avaliação pondera factos relevantes, nomeadamente, sobre o modo como a pessoa gere os seus negócios e exerce a sua profissão, não se limitando a situações de condenação em processo judicial, pois deve abranger, também, processos pendentes. Como resultado desta alteração, as instituições devem justificar ao Banco de Portugal as pessoas escolhidas para o exercício de funções.

É exigida a verificação cumulativa de padrões de idoneidade, independência, disponibilidade e qualificação profissional, com o objetivo de assegurar que os membros dos órgãos sociais executam uma gestão prudente e os administradores não-executivos, que têm responsabilidades de supervisão nos conselhos, bem como a fiscalização a executam com rigor e robustez.

A metodologia da exigência ainda não é consistente na União Europeia, havendo países (e.g. Inglaterra, Suécia, Roménia) onde as melhores práticas estão mais avançadas, sendo exigida a apresentação do processo de seleção que levou à escolha das pessoas entre um leque de potenciais candidatos, havendo ainda lugar a entrevistas pelos supervisores para avaliar não só a capacidade técnica dos candidatos, mas também o perfil psicológico.

Os supervisores devem aprovar uma pessoa somente quando está satisfeita das aptidões e adequação para exercer as funções controladas a que se candidatam. O teste de F&P é uma referência utilizada para avaliar se uma pessoa tem o perfil adequado para executar uma função controlada, não constituindo um exame. Este processo é continuado e, num momento de reavaliação dessas pessoas, continuam a aplicar-se esses critérios e, caso seja identificada evidência de não conformidade com os requisitos, são tomadas medidas.

A avaliação tem de ser efetuada no momento da nomeação, mas a diretiva exige que a avaliação seja contínua durante o exercício de cada mandato.

De Bretton Woods ao Fit and Proper

Depois de Bretton Woods, evolui-se para um sistema financeiro internacional, onde os atores financeiros estão interligados em rede, o capital, a liquidez e o risco circulam entre diversas origens e destinos, e a tecnologia ao desmaterializar a atividade financeira, tornou-a complexa e intangível, o que potencia o risco sistémico.

A ciência da gestão corporativa, tem vindo a desenvolver o processo de decisão o mais racional possível – frequentemente automatizado e utilizando inteligência artificial –, pretendendo provocar reações racionais dos stakeholders das organizações, com o objetivo de reduzir a subjetividade, a incerteza, os perigos latentes e os conflitos subjacentes.

A crise financeira e a correspondente instabilidade financeira, emergiu como um ‘cisne negro’, pois não havia a consciência da interligação das economias e dos sistemas financeiros, nomeadamente em termos de liquidez, capital e risco. A correção da mesma levou a que fossem revistos vários mecanismos para que seja assegurada a estabilidade financeira – da qual um marco relevante foi a criação da União Bancária – com o objetivo de contribuir para a sustentabilidade financeira dos bancos e das economias.

Esta última crise financeira teve a origem principal em escândalos sobre más práticas de gestão em países e bancos insuspeitos, com falências e resgates de atores financeiros. Emergiu o risco de contágio sistémico, causando instabilidade financeira, económica e social.

Sobressaiu da crise que os líderes não eram frequentemente Fit (nem Proper) para gerir organizações em interação em rede internacional, num paradigma de puzzle-superstructure [5] e que, apesar do reconhecimento da globalização, raramente consideravam no processo de decisão temas relacionados com movimentos geoestratégicos, geoeconómicos, geopolíticos e principalmente geofinanceiros [6], os quais ainda não são ensinados nas escolas de gestão e são essenciais no mundo atual global. Reforça-se a necessidade de uma solução mitigadora da situação, emergindo a necessidade de uma corporate governance exigente, baseada em líderes ‘aptos’ e ‘adequados’ para gerir instituições transnacionais, tecnologicamente em rápida evolução, parecendo mais intangível pela dispersão geográfica.

No século XXI, os casos mais mediáticos – tanto no setor financeiro como no setor não-financeiro – geraram a necessidade de uma reflexão sobre a avaliação F&P ser mais exigente e robusta transversalmente, para poder ser eficaz. O setor financeiro serve toda a sociedade e não consegue alterar, sozinho, a causa das crises por ter gestores F&P, quando a governance do Estado ao nível dos atores políticos e dos restantes agentes económicos não adotam, também, uma prática exigente. Aliás, a ciência é pacífica ao aceitar que a governance, para ser eficaz no setor privado, tem, primeiramente, que cumprir, nomeadamente, requisitos e princípio emanados do setor público. A governance deste inclui estabilidade e previsibilidade (e.g. estado de direito, combate à corrupção), qualidade das regras e fiscalização, transparência nas divulgações, reguladores atuantes, proteção dos acionistas minoritários e disciplina de mercado.

Foram, também,  identificadas deficiências na supervisão e fiscalização por parte dos membros dos órgãos sociais com essa responsabilidade específica – administradores não-executivos e conselhos fiscais – bem como a qualidade pouco robusta de avaliação dos auditores internos e externos [7]. Os primeiros tinham um foco primordialmente transacional não tendo em consideração nos planos de auditoria interna os riscos que se iam acumulando no balanço, bem como a capacidade e o apetite de risco, níveis de capital e liquidez, e alguns auditores externos não exibiram padrões de exigência nos seus relatórios que levassem a qualificar os mesmos.

Por outro lado, os supervisores dos mercados e dos seus atores – com presença física nos principais bancos – tinham uma aproximação metodológica tipo ‘controlo remoto’ ou light touch [8] usando a expressão de Mark Carney, Governador do Banco de Inglaterra, baseada num paradigma de confiança nas instituições supervisionadas. A evolução do ambiente tecnológico e financeiro gerou uma complexidade que não foi adequadamente acompanhada pelos supervisores assegurando-se que eles próprios fossem F&P no novo paradigma.

Desde 2015, é exigida às instituições financeiras a adoção duma política mais rigorosa e robusta de seleção e avaliação daqueles membros, que inclui a criação de um Comité de Nomeações, bem como a corresponsabilização da instituição financeira que indica aqueles membros relativamente ao F&P dos mesmos.

Adicionalmente, a constituição de cada e todos os órgãos sociais tem de obedecer a critérios de diversidade [9] que incluem, nomeadamente, o género, experiência profissional, área de especialidade, independência, que permitam avaliar o F&P do órgão na sua globalidade.

A cultura financeira e o processo de decisão

O setor financeiro tem uma cultura financeira própria, transversal aos atores nacionais e internacionais, constituindo um ecosistema [10], pelo que é relevante entender a forma como o processo de F&P se enquadra na cultura financeira e no processo de decisão.

As interdependências e interligações em rede assentam numa cultura financeira comum, caracterizada por uma imaginação financeira que cria a noção de comunidade imaginada, baseada em conceitos [11] como: run together (correr juntos), follow the leader (seguir o leader), herd behaviour (comportamento de manada) e tacit bargain (negociação tácita), comportamentos que são promotores de contágio de boas e más práticas. Esta ‘comunidade’ tem a capacidade de regulamentar sem representação (autorregulação – Soft Law) e tem a percepção de controlo do risco por atuar sob os mesmos modelos, regras e padrões operativos e técnicos que estandardizam a atuação e a automatizam.

Tem ainda a capacidade de ficcionar realidades com o poder da informação que gere, projetando perceções de risco, ou de oportunidade na sociedade, coadjuvada por narrativas de uma meta-rede de media integrada que difunde informação dinâmica e instantaneamente.

Esta cultura financeira, determina o caráter dos atores do sistema, moldado por regras e tecnologia que superam barreiras – linguísticas, físicas e culturais –, criando uma comunidade e identidade coletiva que constitui o espelho da importância dada por outros poderes – supranacionais e económicos transnacionais – que ditam, nomeadamente, as diretrizes de governance do sistema. Daí que, não são unicamente os atores financeiros a liderar o governance da sua atividade, embora a influenciem através da sua capacidade técnica e controlo da implementação e da ação no dia a dia.

Esta cultura é condicionada no seu pensamento financeiro delimitado na origem da lei e na descentralização da competência no processo de decisão que enquadra a sua atividade local ou regional, mas, internacionalmente, atua sob a Anglo-Saxon law. O refúgio na lei passa a ser o paradigma que domina o pensamento financeiro que operacionaliza, inclusive na execução da Hard Law internacional de combate à lavagem de dinheiro, financiamento de terrorismo, evasão fiscal, entre outras sanções políticas e económicas tangíveis em meios financeiros.

Por outro lado, a forma como os supervisores podem avaliar, no processo de avaliação contínua de F&P, parece ser particularmente desafiante, em especial no que concerne à consciência sobre as armadilhas cognitivas na tomada de decisão pelos membros dos órgãos sociais. Fergusson [12] constatou que os gestores sucumbem a armadilhas de cognição como o ‘preconceito da disponibilidade’ baseia a decisão em informação disponível no imediato, o que não é uma decisão informada, e o ‘preconceito da retrospetiva’, que leva a atribuir maior probabilidade a acontecimentos que já ocorreram, do que a acontecimentos que não ocorreram.

Também, a disposição heurística, através da qual juízos de valor pré-concebidos interferem com a avaliação de custo-benefício, ou os efeitos de contaminação, através dos quais deixamos que uma informação irrelevante, mas imediata, contamine uma decisão, ou a indução, que leva a formular regras gerais, com base em informação insuficiente, constituem fatores de armadilhas cognitivas. Outros fatores incluem a negligência de âmbito, que impede o ajustamento proporcional ao que há predisposição para sacrificar, evitando males de diferentes ordens de magnitude, ou o excesso de confiança na calibração, que leva a subestimar os intervalos de confiança da robustez dos cálculos do decisor e, ainda, a ‘apatia de transeunte’, que inclina a abdicar da responsabilidade individual, quando inserido num grupo.

A cultura que envolve o “correr juntos” baseia-se em expetativas compartilhadas, mas a escalada é criada a partir das decisões incrementais incorporadas em cada negociação sucessiva, potenciada pelas armadilhas cognitivas referidas. Como advoga Clark [13] os eventos imprevistos mudam as expectativas do mercado, podendo somar-se ao longo do tempo à fuga de capital (e liquidez) e à exportação de risco, anteriormente favorecidos.

Mecanismo Único de Supervisão (MUS)

O Mecanismo Único de Supervisão (MUS) é o sistema de supervisão bancária que integra o Banco Central Europeu (BCE) e a NCA – Autoridades Nacionais Competentes -, que inclui o Banco de Portugal, entrando em funcionamento em 2014. O BCE assegura o funcionamento eficaz do MUS, estando a NCA incumbida de o coadjuvar no exercício da supervisão prudencial. O modelo de supervisão do MUS distingue entre as instituições de crédito significativas (SSE – Significant Supervised Entities) –supervisionadas diretamente pelo BCE – e as menos significativas (LSI – Less Significant Institutions) sob supervisão direta da NCA que articulam com o BCE para a Zona Euro, que tem a supervisão indireta, adotando critérios quantitativos e qualitativos.

O leque de instituições sujeitas ao regime do MUS é amplo, incluindo as qualificadas de sistémicas, mas também as menos significativas – onde emergem preocupações relativas à supervisão prudencial dos rácios de capital e liquidez, modelos de negócio, profit drivers, controlo do risco de crédito, NPE – Non Performing Exposures e governo interno – estando a ser objeto de maior harmonização de supervisão, requerendo órgãos sociais que se enquadrem nos mesmos padrões de rigor e robustez, apesar da sua dimensão mais reduzida, aplicando, por isso, o ‘princípio da proporcionalidade’ [14]. Este visa garantir que as disposições internas de governo devem ser compatíveis com o perfil de risco e o modelo de negócio para que os objetivos regulamentares sejam efetivamente alcançados. Tem em consideração, nomeadamente, a dimensão, organização interna, complexidade das atividades. As instituições significativas devem ter arranjos de governance mais sofisticados.

As linhas orientadoras do F&P emanadas da EBA – European Banking Authority –para a Zona Euro pelo Banco Central Europeu–, está alinhada com outros organismos reguladores e de supervisão do sistema financeiro internacional, tendo por objetivo reduzir perceções e interpretações diferentes, resultantes do senso comum que, os indivíduos e a sociedade em particular, desenvolvem dentro do seu ambiente cultural. Estas linhas orientadoras estão estruturadas em seis princípios que contextualizam os critérios de avaliação de indivíduos para exercerem funções de administração, supervisão (atribuídas a não-executivos) e fiscalização nas instituições financeiras.

Princípios da avaliação [15] de Fit and Proper

Foram desenvolvidos seis princípios orientadores para a condução do processo de avaliação dos potenciais e atuais membros de órgãos sociais de instituições financeiras.

1.      O primeiro princípio respeita à Responsabilidade Primária que as instituições de crédito supervisionadas têm na seleção e nomeação das pessoas para os órgãos sociais, devendo assegurar que cumprem os requisitos de adequação (Fit) e de aptidão (Proper). Este processo implica a realização de diligências de avaliação antes da nomeação, mas também, de forma continuada, com o objetivo de garantir que se ocorrer uma mudança significativa relativa à pessoa, a instituição avalia a mesma. Este processo envolve uma cooperação transparente na relação com o BCE e/ou a NCA.

2.      O segundo princípio refere-se ao conceito de Gatekeeper, que reside no BCE e na NCA, o qual pode ser traduzido para português como ‘guardião’ ou ‘vigilante’. Este tem por objetivo evitar que pessoas com potencial para constituírem um risco no funcionamento correto do órgão de administração (e supervisão dos executivos) ou fiscalização, entrem ou se mantenham em funções, quando surja uma questão sobre a sua adequação e aptidão. O BCE ou a NCA atuam como Gatekeepers para assegurar que as entidades supervisionadas cumprem os requisitos, e que estejam implementadas estruturas robustas de governo para a realização do processo de avaliação pontual e permanente.

3.      O terceiro princípio respeita à Harmonização, o que tem constituído um desafio não só na Zona Euro, mas principalmente ao nível da União Europeia, onde o objetivo de manter a estabilidade financeira constitui uma preocupação permanente, mas onde se verifica falta de harmonização em temas críticos. Estes derivam de interpretações diferentes e da influência que culturas diferentes podem ter nesse processo, impactando os níveis de exigência agora requeridos. A supervisão do BCE sobre a adequação (Fit) e da aptidão (Proper) dos membros dos órgãos sociais deve assegurar um nível elevado de harmonização, tanto dentro com fora da Zona Euro. Parece ser necessária uma maior coerência e convergência, pois a identificação de numerosas divergências ocorre em políticas, processos e práticas de supervisão, resultantes de interpretações diferentes dos critérios de avaliação aplicáveis.

4.      O quarto princípio respeita à Proporcionalidade, um critério relacionado com a avaliação feita caso a caso, pois implica que a aplicação dos critérios de adequação podem ser proporcionais à dimensão da entidade e complexidade de atividades, bem como à função específica a ser exercida. Contudo, a aplicação do princípio da proporcionalidade, antes explicado, não deve levar à diminuição dos padrões, podendo resultar, contudo, numa abordagem diferenciada, dependendo do nível e áreas de conhecimento e da experiência. Pode considerar- se que, em todos os casos, a avaliação envolve a análise individual e o julgamento – Proper – do BCE e/ou da NCA, o que pode introduzir fatores demasiado subjetivos.

5.      O quinto princípio trata do processo – due process – e justiça – mecanismos de recurso – fundamentado no facto da supervisão da adequação e da aptidão ser fortemente orientada por procedimentos. A entidade supervisionada é a requerente no procedimento de F&P, sendo que, contudo, os direitos do supervisionado e do nomeado podem ser afetados pela decisão do supervisor – judgement – sobre a aptidão e a adequação do candidato. Nessas situações, ambos gozam de garantias processuais estabelecidas no SSM Regulation e no SSM Framework Regulation. O BCE tem o dever de decidir com base em informações que possam ser consideradas materiais e relevantes para o ajuste e avaliação equilibrada, ponderando os fatores a favor e contra o nomeado. As avaliações de aptidão e de adequação são confidenciais, podendo o avaliado recorrer delas, pois a decisão deve enquadrar-se nos princípios do direito administrativo da União Europeia, bem como na sua recente lei de proteção de dados da UE.

6.      O sexto princípio cuida da Interação contínua com a supervisão, considerando que a avaliação da adequação e da aptidão, alimenta a supervisão contínua do governo de uma instituição, especialmente no que diz respeito à composição e funcionamento dos órgãos sociais. Uma avaliação adequada e apropriada pode levar a decisões que precisam de ser acompanhadas numa supervisão contínua. Por outro lado, também a supervisão contínua pode fornecer dados para a avaliação, especialmente no respeitante a critérios de aptidão e independência no exercício de funções.


Critérios de avaliação de Fit and Proper

Foram estabelecidos cinco critérios de avaliação que complementam os seis princípios abordados anteriormente. Eles incluem a experiência prática e teórica dos membros dos órgãos sociais, sendo a palavra “experiência”, sentido amplo, isto é, abrangendo a experiência prática e profissional adquirida, bem como a experiência teórica através de educação académica e formação profissional. O princípio da proporcionalidade é inerentemente aplicável, uma vez que o nível de experiência requerido depende das características da função específica e da instituição. Quanto mais complexa for maior experiência será requerida, nomeadamente em mercados financeiros, quadro regulamentar, planeamento estratégico, gestão de riscos, auditoria, capazes de assegurar o governo, supervisão e controles eficazes. Outro critério respeita à reputação analisada no âmbito do princípio da proporcionalidade, que está ligada às garantias dadas num paradigma de uma gestão sã e prudente.

Outro critério, relevante na avaliação do perfil, respeita aos potenciais conflitos de interesse e independência de espírito, que requerem que os membros dos órgãos sociais devem fazer comentários pragmáticos, informados e realistas, ser objetivos e tomar decisões autónomas, agindo com independência de mente.

Aos administradores não-executivos é exigida, ainda, a capacidade de desafiar os administradores executivos nas decisões que tomam e propõem nos órgãos sociais. A instituição financeira deve ter políticas de governo no sentido de identificar, divulgar, mitigar, gerir e prevenir conflitos de interesse, sejam reais e potenciais ou percebidos pelo público. Ocorre um conflito de interesses se a obtenção dos interesses de um membro puder afetar os interesses da entidade supervisionada e representar risco material. Contudo, ter um conflito de interesses não significa, necessariamente, que um nomeado não possa ser considerado adequado, se esse conflito puder ser eliminado ou mitigado de forma adequada.

O compromisso de disponibilidade de tempo para o exercício de funções é, também, considerado indispensável e, consequentemente, tem de ser avaliado no processo. O tempo que um membro dos órgãos sociais pode dedicar às funções pode ser afetado por múltiplos fatores. Estes incluem o número de lugares que exerce noutras entidades, as horas consumidas nessas funções, o tamanho das entidades, a natureza, escala e complexidade das atividades, bem como o país onde estão localizadas. Ainda são considerados outros compromissos profissionais ou pessoais e circunstâncias. Finalmente, a adequação coletiva dos órgãos sociais, envolve a autoavaliação e supervisão contínua do governo da sociedade, sendo que, a entidade supervisionada tem a responsabilidade primária de identificar potenciais lacunas da adequação coletiva.

Nos últimos decénios, os órgãos sociais de diversos bancos caraterizaram-se por terem os administradores executivos e não-executivos (supervisores dos executivos) e órgãos de fiscalização que não geriram a potencial (e real) perda de valor, pois o seu perfil F&P não era robusto, nomeadamente em três dos critérios hoje exigíveis. O primeiro respeita à não adoção de regras que evitassem conflitos de interesse e independência de espírito, tendo sido observados conflitos entre interesses diretos públicos e privados, interesses cruzados em grupos económicos com conflitos de interesses evidentes, bem como interação (frequentemente negativa) com políticos. O segundo prendia-se com a falta de compromisso de disponibilidade de horas, nomeadamente de administradores não-executivos e órgãos de fiscalização, dedicadas às suas funções de supervisão e fiscalização. Por fim, o tema que envolvia a reputação duvidosa – Proper – de membros de órgãos sociais, frequentemente pública e notória, sem que a supervisão tivesse meios para atuar de forma intrusiva, imediata e eficaz.

Frequentemente, ocorreram falhas no primeiro critério relativo à experiência prática e académico-teórica dos administradores nomeados. Esta era comum nos administradores não-executivos – cuja principal responsabilidade é a supervisão dos administradores executivos –, sem terem o conhecimento necessário, além da incapacidade e independência que revelavam, não questionando nem a assimetria de informação, nem as decisões e propostas que lhes eram presentes em conselho.

A exigência de atas detalhadas e específicas dos órgãos sociais e das comissões, deles emanadas, incluindo os nomes dos membros e das suas intervenções específicas em conselho são hoje exigidas e avaliadas pelos supervisores no âmbito do processo de avaliação contínua que têm de fazer dos mesmos e do órgão em termos globais, representando uma ferramenta para avaliar a contribuição efetiva que os membros dos órgãos sociais dão às instituições financeiras.

Desafios e oportunidades

As novas guidelines de F&P ao reduzirem as ameaças criam, contudo, oportunidades que constituem desafios relevantes para três dos atores do sistema financeiro: instituições financeiras, supervisores e membros dos órgãos sociais.

A dimensão do processo F&P:

Ao SSM e às NCA que supervisionam as instituições financeiras coloca-se o desafio dos seus recursos limitados e qualificados, bem como os custos para assumir o processo de aprovação e avaliação contínua do Fit and Proper. A União Europeia tinha, em 2017 [16], cerca de 6.600 bancos, dos quais 120 são bancos classificados como sistémicos, sendo supervisionados pelo SSM, os restantes – cerca de 6.480 bancos – supervisionados pela NCA. Estima-se que o SSM tenha de aprovar e monitorar centenas de pessoas por ano em cada um dos 28 países da UE.

Atualmente, a aprovação por estas entidades de novos órgãos sociais, revela uma demora de meses, o que pode afetar a gestão dos bancos, colocando em risco a sua atividade e falhando no objetivo da estabilidade e previsibilidade.

Os desafios são mais exigentes também às instituições financeiras, que são corresponsáveis no assegurar que o perfil das pessoas que compõem os órgãos sociais nomeados, se mantém como esperado de um perfil F&P.

O talento F&P exigível:

·         Os administradores executivos devem auferir uma compensação adequada em termos de remuneração fixa e variável, que devem ser proporcionais à responsabilidade, empenho, desempenho, atividade e dimensão da instituição que administram, evitando benchmarks com instituições cuja dimensão e complexidade não são comparáveis.

·         Por outro lado, a remuneração dos administradores não-executivos e membros de órgãos de fiscalização deve ser adequada às responsabilidades fiduciárias que estas funções envolvem. Este critério prende-se com fatores que motivam a aceitação dessas responsabilidades com uma contrapartida monetária reduzida, face ao grau de responsabilidade e empenho requerido. Não é credível que pessoas que assumem uma elevada responsabilidade fiduciária na proteção dos interesses dos stakeholders, sejam remuneradas de forma inadequada quando comparados, por exemplo, com os administradores executivos –que têm de supervisionar e fiscalizar– e com as melhores práticas.

·         O setor não-financeiro tem inúmeras indústrias reguladas e supervisionadas, mas na sua maioria, com enfoque estritamente técnico (e.g., telecomunicações, energia, farmacêutica, produtos de consumo). As regras e orientações incluindo a avaliação F&P, sobre o governo interno das sociedades, poderiam ser aplicadas com vantagens a essas indústrias e a organizações governamentais, criando uma cultura mais generalizada sobre práticas da gestão que pretendem assegurar a sustentabilidade das organizações. Desta forma, impedindo contágio ao sistema financeiro de más práticas de governance de alguns dos seus stakeholders.

Alinhamento para uma gestão sustentável:

·         A gestão deve ter como objetivo último a defesa do valor criado para as gerações futuras, i.e., assegurar o crescimento sustentável das organizações. Uma gestão sã obriga que as duas dimensões – estratégica (não-executiva) e tática/operacional (executiva) – de funções e decisões-informadas estejam alinhadas, apesar de exigirem perfis diferentes e complementares de F&P. Nos últimos decénios, emergiu que a dimensão tática se sobrepôs à dimensão estratégica e à visão embebida no modelo de negócio. O resultado imediato foi subjugado a interesses conjunturais, sobrepondo-se à defesa da sustentabilidade de instituições de financeiras, com impacto positivo na sociedade.

·         Gerir uma realidade cada vez mais internacional e virtual requer que se evite a tentação de gaming, i.e., gerir a atividade como um jogo de computador. Quanto maior for a intangibilidade gerada por via da evolução tecnológica digital, maior a dificuldade na avaliação.

·         Prevenir eventos enquadrados no conceito do ‘cisne negro’ (black swan [17]), como ocorreu com a crise financeira de 2007, mas prevenir, também, que ‘o elefante esteja na sala’ (elephant in the room [18]), é um dos maiores desafios das funções de supervisão e fiscalização. A crise de 2007 revelou que, os administradores, sucumbiram a armadilhas cognitivas na tomada de decisões. Ferguson [19] constatou que o sistema financeiro é fortemente condicionado pelo comportamento humano – os seus profissionais e sociedade – advogando as causas desse comportamento, como resultado do sistema ser um espelho da sociedade. As potenciais armadilhas cognitivas obrigam ao apuramento da cognição, em especial sobre a imaterialidade e intangibilidade futura da atividade financeira, o nível de autoregulação e legislação que podem conter em si interesses políticos internacionais supra setoriais. Adicionalmente, o descontrolo e assimetrias tecnológicas que expõe a ciberataques e/ou instabilidade financeira instantânea, a assimetria da informação propagada com a intenção de projetar percepções não verificáveis, bem como a diversidade [20] cultural dos stakeholders (em especial depositantes com interpretações diferentes da realidade e múltiplas necessidades em pontos geográficos distintos), e, finalmente a diversidade de interesses nacionais que geram percepções de risco com intenções de defesa própria. Será que a complexidade deste processo leva a que esteja an Elephant in the Room? Como serão avaliadas as armadilhas cognitivas no processo de avaliação contínua de F&P?

·         Gerir contextos simultâneos de realidades locais e internacionais, bem como gerir a diversidade no sentido de promover a integração financeira saudável, exige novos modelos de negócio e, com eles, novos riscos derivados de um contexto ainda desconhecido.

Para terminar, nas empresas, em geral, um bom governance exige um ajustamento de cultura, reconhecimento da importância do bom governance, uma estrutura e processos básicos de governance alinhado com a criação de valor [21] para os acionistas, os stakeholders e a sociedade.

Artigo publicado originalmente na InforBanca

Notas:

1. Pitta Ferraz, D.; Lopes, I. T.; Nannicini, A. (2018) “Relationship between top-executive compensation and corporate governance: Evidence from large Italian listed companies”, International Journal of Disclosure and Governance (Forthcoming)

2. Instrução n.º 12/2015, BO n.º 8, de 17-08-2015, do Banco de Portugal

3. EBA/Guidelines/2012/06, de 22 de novembro

4. NCA – National Competent Authority são as entidades em cada país responsáveis pela regulação e supervisão das instituições financeiras. Em Portugal, de acordo com o Article 40 of the Benchmarks Regulation, a ESMA indica o Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). Em https://www.esma.europa.eu/designated-national-competent-authorities-under-benchmarks-regulation

5. Pitta Ferraz, D. (2011). Document 4 – Structured and Quantitative Research – Financial Stability. Nottingham: Nottingham Business School

6. Castro, Teodora de (2017). Geofinancial Power – Internacional Financial Strategy and Governance. Ph.D Thesis. Universidade de Lisboa – ISCSP

7. Pitta Ferraz, D.; Lopes, I. T.; Kopliku, A. (2018). “Can board diversity and choice of auditor enhance profitability?”, Int. J. Business Performance Management, Vol. 19, No. 3, pp. 2018 289-303

8. Carney, Mark (2018). Global Markets – Markets - Development - Economy. IMF/World Bank Edition, Saturday, 13 October 2018

9. Lopes, I.T., Pitta Ferraz, D., and M. M. Martins (2016). “The Influence of Boards’ Diversity on Profitability: An Overview Across Iberian Non-financial listed companies”, Corporate Ownership & Control, Vol. 13, Issue 2-C2, pp. 455-461.

10. Castro, Teodora de (2017). Geofinancial Power - Internacional Financial Strategy and Governance. Lisboa: Universidade de Lisboa – ISCSP

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Publicado em 
6/12/2018
 na área de 
Gestão & Estratégia

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