A igualdade de género, sobretudo no que diz respeito à liderança, ainda tem um longo caminho a percorrer nas empresas?
Há um estudo que, apesar de não se referir especificamente a Portugal, me surpreendeu imenso, porque afirma que, se as coisas se continuarem a desenvolver na velocidade atual, vão ser precisos pelo menos 136 anos até que exista igualdade para as mulheres no mundo corporativo. Isto é muito tempo - significa que nem as nossas filhas, nem as filhas delas, as nossas netas, nem as bisnetas vão viver esta realidade. Representa entre cinco e seis gerações, e isso é muito, mas mesmo muito, tempo. Eu espero, sinceramente, que este estudo não esteja correto, mas serve para nos alertar de que a velocidade da mudança está a ser muito lenta e realmente temos de acelerá-la.
Podemos claro, desacreditar este estudo, e dizer que hoje em dia as coisas mudam muito mais rápido, porque estamos habituadas à evolução exponencial das tecnologias, mas a verdade é que as mentalidades não são como as tecnologias. As mentalidades demoram muito tempo a evoluir, e, portanto, é nossa responsabilidade, enquanto mulheres e homens, fazer um esforço muito proativo para conseguirmos mudar, o que, na minha perspetiva, depende de cultura e educação.
Por isso é que é essencial apostar numa formação como o Women’s Leadership Program (WLP)?
Por isso é que é essencial apostar numa formação como o Women’s Leadership Program. Quando me desafiaram para ser hostess deste programa, questionei-me se seria um programa que vinha separar as mulheres, focando-se só nelas, a melhor opção. Se não estaríamos a acentuar uma divisão entre as mulheres e os homens. Mas a verdade é que este estudo fez-me ver que precisamos de fazer um esforço concreto e intencional para empoderar as mulheres, precisamos de criar uma mentalidade impulsionadora.
O facto de pesquisas como esta apontarem para tanto tempo até vermos uma mudança, indica precisamente que temos de encarar o problema head-on. Temos de endereçar as mulheres, empoderando-as, e, sim, ter os homens também on board, mas não podemos continuar a ter programas que tratam este tema de forma superficial. É por isso que vejo que o programa WLP é a melhor forma de criarmos esta mudança – juntar mulheres, falar abertamente sobre o tema, criar uma comunidade que as apoie e também as desafie, para assim conseguirmos que sejam elas as agentes desta mudança.
Qual o balanço da primeira edição?
O balanço da primeira edição foi muito positivo, o feedback que recebemos foi excelente, ao ponto de termos surpreendido positivamente várias participantes. O nosso foco inicial no desenvolvimento pessoal de cada uma, foi muito valorizado. Não trouxemos apenas temas de fora para dentro, criámos um programa que, ao começar com uma reflexão mais pessoal através de sessões de mentoria em grupo, garantiu que as aprendizagens que viriam a surgir, estivessem alinhadas com o contexto individual, propósito e desafios de cada uma. Criou-se assim um ambiente de entreajuda e colaboração entre o grupo, daqui para a frente o apoio mútuo e irmandade tornaram-se muito evidentes. A partir deste momento, o sucesso de uma, passou a representar o sucesso de todas.
Diria que a coisa mais positiva que se criou, foi a comunidade. Temos agora uma comunidade de mulheres muito viva, ativa em vários canais, como por exemplo um grupo de WhatsApp, temos reuniões regulares e encontros em várias cidades, sessões de peer mentoring, que continuam mesmo passados alguns meses, o que é raro na maior parte dos programas. As ex-participantes, agora alumni continuam a apoiar-se umas às outras, cada uma com os seus diferentes projetos, a pedir ajuda e a dar conselhos, a partilhar temas interessantes. Em oito semanas de programa, criou-se rapidamente uma comunidade muito coesa e forte.
O que é que o WLP tem de diferente dos restantes programas de empoderamento das mulheres no local de trabalho?
Há vários elementos únicos neste programa. Em primeiro lugar, como falámos, é uma formação que se adapta aos reais desafios das participantes. Esta foi uma oportunidade para ouvirmos as mulheres e percebermos o que é que realmente as preocupa e que necessidades têm. Nas primeiras aulas, trazíamos case studies e dilemas e os cenários que colocávamos normalmente tinham a ver com conciliar a vida familiar e o trabalho. Foram as próprias participantes que nos disseram que não eram só esses os desafios que enfrentavam. Nós efetivamente aprendermos com elas, e adaptámos o curso para melhor responder às suas necessidades. É por isso que a comunidade funciona tão bem. São as próprias participantes que trazem os desafios e que os trabalham em conjunto.
Em segundo lugar, a diversidade deste curso faz toda a diferença, temos participantes de todas as idades, indústrias e geografias. Aqui, as experiências e visões diversas, complementam-se. Há também uma cumplicidade que só é possível criar num ambiente só de mulheres. Por enquanto! No futuro, acredito que vamos conseguir replicar esta cumplicidade com grupos de homens e de mulheres. Por agora, conseguimos criar sinergias entre as professoras e as alunas que foram surpreendentes e que eu acho que só foram possíveis por ser um programa 100% feminino.
Um dos objetivos do programa é contribuir para o networking e o conhecimento de role-models para as mulheres que aspiram atingir cargos de liderança. Porque é tão importante fomentar os contactos e partilhar estas histórias?
Penso que o facto de termos um corpo docente constituído 100% por mulheres muito bem-sucedidas nos seus campos, com um conhecimento profundo sobre os temas que abordaram e que criaram em cada sessão, cada uma à sua maneira, um momento marcante e memorável partilhando também um pouco das suas histórias. Cada professora apresentou os seus temas de estudo ou de trabalho como a transformação organizacional, empreendedorismo, finanças, tecnologia, gestão de relações, abordando também temas do seu interesse como mindfulness, curiosidade e criatividade, sustentabilidade, sempre numa ótica de que o sucesso acontece através da ambição, mas também da adaptabilidade e colaboração.
A partilha de histórias é um fator muito poderoso para a transformação de o que quer que seja. Durante o programa, ao ouvirmos histórias de outras mulheres, tornou-se evidente de que todas temos dificuldades semelhantes e assim começamos a perceber que não estamos sozinhas nesta jornada e que é muito mais fácil trabalhá-las em conjunto.
Foi neste ambiente seguro, sem julgamento, que conseguimos falar abertamente sobre temas que muito raramente se falam em ambiente corporativo. Aqui, há duas tendências. A primeira é o facto de não se trazer temas familiares, pessoais e emocionais para o trabalho, que é algo que, na minha opinião, acaba por afetar mais as mulheres do que os homens, pois têm uma vida mais integrada e as circunstâncias afetam-se mutuamente. Por outro lado, não assumimos que a conciliação entre a vida pessoal e o trabalho é o maior problema e que há toda uma camada mais profunda que não é tão falada e que é relevante para as mulheres.
Por exemplo, temas como a confiança, a assertividade, características mais culturais e que fazem parte da educação das mulheres desde pequenas, que depois as afetam no ambiente corporativo. As mulheres tendem a ser mais conciliadoras, por vezes não tão assertivas e confiantes, mas a verdade é que a solução não passa por tentarmos que as mulheres assumam estes traços “tipicamente masculinos”. É preciso encontrar novas formas para cada mulher poder trazer características mais tipicamente suas, e permitir que estas potenciem e valorizem o seu trabalho e relações. O ambiente corporativo passará por uma transformação grande, conduzida por uma mudança cultural que já está a acontecer. Neste futuro, vamos precisar também de características mais tipicamente femininas, como a colaboração, o apoio mútuo, a preservação e sustentabilidade, uma visão inclusiva e integral, e as mulheres que estiverem dispostas, vão fazer a diferença. Nessa altura, teremos apenas de estar prontos para lhes abrirmos a porta – porque elas estão prontas para criar este futuro.