Vamos por um momento deixar de pensar em tudo o que tem de ser feito no Planeta Terra para falar… de outros planetas, e do espaço entre eles. Outrora um domínio exclusivo das agências governamentais, a economia espacial é agora um sector caracterizado pela rápida inovação e pelo investimento privado. Esta transformação abriu inúmeras oportunidades em toda a cadeia de valor, desde o fabrico de satélites ao turismo espacial, com a promessa de retornos lucrativos no médio para longo prazo. Vamos abrir as portas da nave-mãe para perceber onde existem oportunidades para empresas entrarem no setor?
O fabrico de satélites, por exemplo, é uma pedra angular da indústria espacial, com o mercado global de satélites projetado para crescer de 25 mil milhões de dólares em 2021 para mais de 54 mil milhões de dólares em 2026 (MarketsandMarkets, 2021). Este crescimento é impulsionado pela crescente procura de serviços de comunicação, observação da Terra e navegação. Empresas como a SpaceX e a Blue Origin transformaram os serviços de lançamento, reduzindo custos e aumentando o acesso ao espaço. O Falcon 9 da SpaceX, por exemplo, afirma ter reduzido significativamente o custo por quilograma de carga útil, tornando o espaço mais acessível a empresas mais pequenas.
Os segmentos de serviços de dados, em particular a observação da Terra e a Internet por satélite, fornecem dados críticos para a agricultura, a gestão de catástrofes e a monitorização ambiental. Prevê-se que este segmento atinja 7 mil milhões de dólares até 2030 (NSR Reports, 2022). Além disso, os serviços de Internet por satélite, liderados por iniciativas como o Starlink da SpaceX (sim, Musk novamente) e o Projeto Kuiper da Amazon, visam colmatar o fosso digital, fornecendo Internet de alta velocidade a áreas remotas – um tema que é tanto relevante quanto polémico, se considerarmos por exemplo as denúncias de que o sistema Starlink estava a ser utilizado no processo de garimpo ilegal na Floresta Amazónica. Prevê-se que este sector cresça exponencialmente, com o mercado de banda larga por satélite a ultrapassar os 43 mil milhões de dólares até 2027 (Allied Market Research, 2021).
Já o fabrico e a montagem no espaço representam a próxima fronteira da indústria espacial. A capacidade de fabricar e montar componentes no espaço poderia reduzir drasticamente os custos e aumentar a longevidade das missões espaciais. Prevê-se que o mercado do fabrico no espaço, atualmente na sua fase inicial, atinja 14 mil milhões de dólares até 2030 (Future Market Insights, 2022). Isto inclui a produção de materiais de alto valor, como a fibra ZBLAN, que pode ser produzida de forma mais eficiente em condições de microgravidade.
Mais próximo das relações habituais de consumo B2C, o turismo espacial já não é um sonho distante, mas uma indústria em expansão onde empresas como a Virgin Galactic, a Blue Origin e (sim…) a SpaceX deram passos significativos, oferecendo voos suborbitais e orbitais a cidadãos privados. Prevê-se que o mercado do turismo espacial atinja 3 mil milhões de dólares até 2030, impulsionado pelo aumento da procura e pela diminuição dos custos (Space Foundation, 2021). Além disso, conceitos como hotéis espaciais e habitats lunares estão a ser desenvolvidos, prometendo novas oportunidades para a hospitalidade e o imobiliário no espaço. Contudo, qual a pegada ambiental destas iniciativas? Uma pergunta eventualmente inconveniente em momentos de euforia e que não pode ser ignorada.
O mesmo diz respeito a um dos temas mais sensíveis: a mineração de asteróides e a extração de recursos lunares estão preparadas para se tornarem componentes significativos da economia espacial. A capacidade de minerar asteróides para obter metais preciosos e extrair recursos da lua pode apoiar a presença humana sustentada no espaço e reduzir a dependência de recursos baseados na Terra. Prevê-se que o mercado de utilização de recursos espaciais atinja 3,8 mil milhões de dólares até 2030 (Global Market Insights, 2021). Empresas como a Planetary Resources e a Moon Express estão na vanguarda deste domínio emergente, explorando formas de aproveitar eficazmente os recursos espaciais. É uma especulação, mas talvez seja este o gatilho definitivo para uma nova fase da geopolítica que já se apresenta em grandes debates internacionais: as relações e conflitos de interesses na “espaçopolítica”.
E Portugal? A Agência Espacial Portuguesa (Portugal Space), criada em 2019, coordena as actividades espaciais nacionais, apoia a investigação e o desenvolvimento e promove a colaboração internacional. A localização do país torna-o um local ideal para o lançamento e o seguimento de satélites. Os Açores, em particular, estão a ser desenvolvidos como um local potencial para portos espaciais, com o Centro Internacional de Investigação dos Açores (AIR Centre) a promover a ciência e a tecnologia espaciais.
Portugal participa ativamente em iniciativas espaciais internacionais enquanto membro da Agência Espacial Europeia (ESA) e colabora com a NASA. Iniciativas como o ESA BIC Portugal apoiam startups no sector espacial, ajudando os empresários a desenvolver tecnologias relacionadas com o espaço e a colocá-las no mercado. Ao pé de Lisboa, no campus da Nova SBE em Carcavelos, decorre anualmente o programa Space for Business, ao lado das universidades de Roterdão e St. Gallen e em parceria com a ESA: um curso orientado para conectar o conhecimento do setor com o desenvolvimento de modelos de negócio e projetos de inovação.
A próxima década deverá testemunhar um crescimento sem precedentes do setor, transformando a forma como interagimos com o espaço e o utilizamos. Soa fantástico… mas podemos fazer um pedido para o infinito? Apenas um: que este processo seja consequente, para não repetirmos fora da Terra as mesmas asneiras que andámos a fazer por aqui ao longo de toda a História moderna. É preciso mitigar, e não apenas estar sempre a abrir: em termos práticos, estamos a anos-luz de qualquer tipo de Planeta B.
Este artigo trata-se de uma republicação de um texto originalmente publicado na Exame - leia-o aqui.