Os últimos tempos têm sido férteis em acontecimentos, decisões, movimentos, tomadas de posição e deliberações que há pouco tempo atrás não imaginávamos possíveis. Ainda que, no nosso íntimo, acreditássemos na mudança, não acreditávamos que se desenrolaria a este ritmo.
É

consensual que os passos dados ao nível da tecnologia, digitalização e comunicação têm vindo a ocorrer a alta velocidade, com ciclos de lançamento e de hegemonia de uma determinada novidade cada vez mais curtos. Pensemos na música e no que aconteceu em 80 anos. O vinil surge nos finais da década de 40 e, passadas quatro décadas, em 1984, o primeiro CD de música é lançado: Born in the U.S.A. de Bruce Springsteen. Mas, foram apenas necessários 15 anos para que algo inédito viesse a surgir no mercado. Refiro-me às soluções peer to peer (sendo Napster a mais conhecida) que vieram democratizar a música, tornando-a acessível a todos. Este fenómeno atingiu o seu auge passados dois anos, com a chegada do iPod e da Apple Store. Passados 7 anos, surgem as soluções de streaming, como o YouTube, o Sound Cloud ou o Spotify. A música é ainda mais acessível a todos: offline, online, álbum inteiro, apenas uma faixa, videoclips... Tudo é passível de ser partilhado. As alternativas são inúmeras e têm vindo a ter upgrades todos os dias. Recentemente, surge a utilização da tecnologia blockchain também para a música: a disponibilização da nossa biblioteca de música a amigos através de um token. Impressionante!

E a nível das questões ambientais, das alterações climáticas (antes designadas por "aquecimento global" como o filme Vice nos veio mostrar) e da agenda dos ODS? Pensávamos ser possível que estes temas passassem tão depressa do meio científico para o nosso quotidiano?

Houve uma sucessão de acontecimentos, que conduziu a uma crescente consciencialização da população e ao incremento do grau de exigência dos cidadãos - a greve estudantil pelo clima do dia 15 de Março é um exemplo claro disso.

Os céticos das alterações climáticas, defensores de interesses ou de crenças, têm sido confrontados com cada vez mais evidências de que algo estará a acontecer ou que irá acontecer com maior intensidade. As preocupações a nível de resíduos, que pareciam estar confinadas à Europa, começam a alastrar-se a outras partes do mundo.

Estas são algumas das dimensões do desafio ambiental que nos obrigam a assumir, de uma vez por todas, que não podemos de forma alguma continuar a viver como temos vivido até há muito pouco tempo: com indiferença por parte das empresas (muitas das medidas por algumas destas tomadas serviram apenas para passar uma imagem de um posicionamento “verde”) e por parte da população (apenas uma pequena minoria era comprometida e vocal sobre os temas ambientais). Os problemas ou dores de cabeça ou eram de lá longe, ou eram enviados para longe. Esse tempo terminou!

O que nos trouxe até aqui?

Apesar de a União Europeia ter sido sempre um polo relativamente eficaz na emanação de diretivas e regulamentos - ao contrário dos Estados Unidos, cuja produção regulatória se caracteriza como ziguezagueante - a nível multilateral, só recentemente se atingiu um registo de eficácia e de mobilização para a ação, do qual é exemplo a Cimeira de Paris para o clima.

E as empresas? O momento de verdadeira consciencialização e de primeiros passos para mudança de mentalidades nestes agentes económicos acontece quando, em 2013, a Fundação Ellen MacArthur lança o primeiro manifesto sobre Economia Circular que foi, no mesmo ano, adotado pela Comissão Europeia. A partir dessa data, as empresas começaram verdadeiramente a assumir aquilo que já sabiam há muito: a necessidade de preservação dos recursos naturais finitos, tirando partido do valor associado aos resíduos por via da reciclagem e reutilização, aproveitando as diversas fontes de energia naturais, ou reutilizando água.

Em 2017, uma das facetas mais dramáticas do desafio ambiental chega à população com as imagens da poluição nos oceanos, oriunda dos cinco continentes. Nessa altura, inicia-se a verdadeira pressão social dos consumidores que são os atores que materializam o seu “protesto”, através das suas decisões de compra. As empresas começam, então, a levar o tema da sustentabilidade mais longe - hoje, caso não o assumam de uma forma estratégica, estarão condenadas a prazo.

Na senda da crescente consciencialização e indignação, em janeiro de 2019, assistimos ao marcante discurso de Greta Thunberg, a ativista climática de 16 anos, no World Economic Forum. No passado dia 15 de março, os jovens mobilizaram-se na Greve Estudantil pelo Clima, um movimento que é verdadeiramente internacional. Outra greve está prevista para maio. Será sol de pouca dura? Não creio, acredito mesmo que não!


A Greve Estudantil Climática

Sabemos que sempre foram os jovens os motores e agentes das grandes mudanças a nível social e político e acredito que continuarão a sê-lo. O que aconteceu a 15 de março foi um manifesto global para um problema global: 1,2 milhões de estudantes em 123 países fizeram greve às aulas. Um movimento global, descentralizado que, em certa medida, põe em causa também as tradicionais organizações ambientalistas.

A sociedade está a ser confrontada com crianças, jovens, que se tornam adultos ao tomarem consciência de um problema, manifestando-se de forma pacífica para apelar aos adultos para que atuem. É um protesto contra quem está a decidir o seu futuro sem que estes tenham uma palavra a dizer. Num mundo cada vez mais global, onde a informação e conhecimento estão acessíveis a todos, os jovens sentem-se traídos pela visão de curto prazo dos decisores políticos e da maioria das empresas, que fará com que nada volte a ser como dantes.

"A minha geração não conseguiu responder adequadamente ao dramático desafio da mudança climática. Isso é profundamente sentido pelos jovens. Não admira que estejam zangados." António Guterres, The Guardian

E agora?

Será que o combate às alterações climáticas, flagelo cada vez mais visível no nosso quotidiano, reforçado com este movimento de jovens, irá levar os países a assumirem de uma vez por todas o problema, não o negando por interesses económicos ou políticos de curto prazo? Será que a Austrália começará a pensar no tema em vez de pensar apenas na sua indústria de carvão? Será que os Estados Unidos continuarão a negar os sucessivos fenómenos climáticos extremos, alegando que os incêndios da Califórnia se deveram à má gestão florestal? Será que o Brasil continuará a permitir o desmatamento da Floresta Amazónica? Ou que os países asiáticos insistirão em não controlar os rios de plástico que estão à vista de todos e contaminam os nossos oceanos?

Esta inação, e os racionais pouco credíveis que lhe estão subjacentes, poderão até manter-se mas não por muito tempo pois a pressão para a atuação será crescente. Acredito que todos nós daremos a resposta adequada. Somos chamados a agir e estamos preparados para percorrer esta nova estrada de mudança dos nossos hábitos por uma causa que é global e transgeracional.

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Paradigm Shift?
Publicado em 
28/3/2019
 na área de 
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