A verdade é que a evolução tecnológica é hoje profundamente acelerada, mas, mais do que o efeito singular de uma única tecnologia, é sobretudo o efeito combinatório e interdependente destas tecnologias que tem, de facto, transformado as nossas vidas.
Pensar que a disrupção é eminentemente gerada pela evolução tecnológica é um viés muito comum nos meios da inovação e do empreendedorismo. Porém, a verdade é que as mais profundas disrupções dos últimos anos têm sido geradas por outras fontes porventura mais prosaicas: a saúde pública, o ambiente, a demografia, a distribuição da riqueza, a confiança (ou falta dela), os populismos, a geopolítica. E esta combinação de fatores de disrupção é profundamente amplificada num mundo totalmente hiperconectado.
Há muito que as empresas perceberam que a velocidade da mudança deve motivar uma preparação para vários cenários possíveis de forma a antecipar e evitar a disrupção. Nesse sentido, observamos recorrentemente a implementação de estratégias que visam garantir que as empresas conseguem ser “future-proof”. E, na minha opinião, esse é um erro crasso. Ser “à prova de futuro”, para além de impossível, é completamente indesejável. Porque haveríamos nós de querer “imunizar” a empresa em relação ao futuro? Acreditamos mesmo que é possível tomar uma espécie de vacina que nos proteja do futuro? É isso que queremos?
O futuro – próximo ou mais longínquo – tem de ser encarado de frente. Tem de ser abraçado e acolhido como oportunidade, não como ameaça. Acreditar que é possível evitar o futuro ou evitar a disrupção é simplesmente negar a realidade. A disrupção já não é uma eventualidade que se tenta evitar a todo o custo; a disrupção é uma inevitabilidade que se deve tentar liderar. E esta é uma realidade que os últimos anos se encarregaram de confirmar indubitavelmente.
Isto significa que, gostemos ou não, a disrupção – e a forma como será possível liderá-la – passa a ser o maior desafio que as empresas têm perante si em 2023.
Este ano que agora começa será, porventura, o momento absolutamente crítico para que as empresas possam enfrentar de frente o seu maior desafio: a construção do seu novo legado. Assumir que o legado que as empresas possuem hoje, ainda que seja um fator de orgulho e até de competitividade presente, não assegura por si qualquer tipo de competitividade futura é uma decisão difícil de tomar e uma tarefa dura de empreender. Exige humildade e coragem. Exige clarividência e visão. Exige razão e ambição.
Estamos numa encruzilhada do tempo e da história, onde as diferentes fontes de disrupção confluem para uma espécie de tempestade (im)perfeita que pode redesenhar muito daquilo que é a nossa vivência em sociedade. Ninguém terá grandes dúvidas de que se avizinha um ano extremamente complexo, com prováveis recuos sociais, ambientais e económicos. Vem aí tempos difíceis. Mas é precisamente por isso que este é o tempo para agir.
Este é o momento para as empresas olharem para os seus fatores de disrupção e para os enfrentarem. Já nem sequer estou a falar no “future-ready” que também muitas empresas procuraram nos últimos tempos... Não, estou mesmo a falar de enfrentarem e liderarem a sua própria disrupção. Este é o tempo para experimentar, para explorar e para procurar. Este é o tempo para questionar todas as assunções e preconceitos estabelecidos nas empresas e confrontá-los com o futuro. Este é o tempo para ser “future-driven”, para tomar decisões informadas pelo futuro e não pelo passado.
Acredito profundamente que os próximos anos serão o momento mais crítico para que as empresas procedam ao seu ajustamento e à sua preparação para esta nova “estranha forma de vida”, onde a disrupção é inevitável e a ambiguidade permanente.
Por isso acredito que a inovação tem um papel fundamental na construção dos novos legados que as empresas deixarão para o seu futuro.
Porque a inovação – se pensada e executada de forma estratégica – serve exatamente para conseguir entregar objetivos estratégicos em contextos de extrema incerteza.