A psicologia cognitiva diz-nos que, enquanto seres humanos, temos vieses inconscientes, ou seja, atitudes e julgamentos automáticos que ocorrem inconscientemente. Falo, por exemplo, do “normalcy bias” (viés da normalidade), que é a tendência para acreditarmos que algo que nunca aconteceu antes, nunca virá a acontecer, e o “optimism bias” (viés do otimismo), que nos leva a acreditar que a probabilidade de experienciarmos eventos negativos é mais baixa para nós do que para os outros. Estes enviesamentos podem ser os responsáveis por nos iludir e impedir de entender o verdadeiro ritmo da mudança e o seu impacto nas organizações.
Vejam-se exemplos de mudanças recentes: a internet dial-up – que impedia o telefone fixo e só se podia usar alguns minutos porque “a avó podia estar a tentar ligar” – chama-se agora 5G. Entre as cassetes e o Spotify, usámos CDs e iPods. As fotografias que tinham de esperar pela revelação são agora publicadas em segundos. Tudo isto ocorreu em apenas 25 anos. Visto desta forma, a mudança ao longo deste período, embora gradual, foi drástica. Mudaram não só os comportamentos dos consumidores, mas também das empresas – algumas deixaram de existir, enquanto outras foram obrigadas a uma transformação completa para acompanhar os tempos.
Aos dias de hoje, já não basta pensar apenas em criar um novo produto ou serviço, mas sim equacionar a própria metodologia, começando por inovar… nos próprios processos de inovação. Olhando concretamente para as nossas empresas, embora se verifiquem esforços na abordagem à inovação, não nos deixemos influenciar novamente pelos vieses inconscientes. Estamos perante um ritmo de mudança exponencial, e não serão as atuais abordagens lineares que permitirão acompanhar os tempos. É necessário olhar para modelos de inovação escaláveis que não dependam apenas de recursos internos. É aqui que reside a importância da inovação aberta, ou seja, da criação que ultrapassa as fronteiras físicas das empresas. As empresas devem deixar de se considerar entidades estanques, posicionando-se antes como criadoras de ecossistemas.
Através da criação destes ecossistemas poderão alavancar recursos, capacidades e ligações para além dos seus limites internos, possibilitando a co-criação de soluções que respondam às necessidades futuras dos seus clientes enquanto promovem interações com o exterior, que vão da partilha de conhecimento ao debate de ideias, exposição a críticas e a novos pontos de vista.
Enquanto promotoras destes ecossistemas, estas empresas poderão capitalizar esse estatuto ao dinamizar programas colaborativos, como o lançamento de desafios, organização de eventos, processos de validação constantes com utilizadores, aceleradoras de start-ups, entre outros, promovendo assim o envolvimento de alunos, investigadores, start-ups, outras empresas, e até o cidadão comum na resolução de desafios estruturantes para a sociedade.
A criação destes ecossistemas requer, contudo, um investimento significativo, podendo ser feito de raiz, ou através da associação a ecossistemas existentes que liguem todos estes intervenientes. Algumas universidades, como é o caso da Nova SBE, estão a tomar uma atitude proativa para facilitar este caminho, acelerando assim a criação de ecossistemas multidisciplinares e multigeracionais. No entanto, a real questão estará na capacidade de adaptação e de mudança de mindset das empresas, rumo a uma cultura de experimentação e abertura ao exterior.
Se levarmos a cabo esta mudança de paradigma, estaremos cada vez mais próximos de presenciar uma nova onda de disrupção liderada por empresas incumbentes inseridas em ecossistemas colaborativos.
Este texto trata-se de uma republicação de um artigo orginalmente publicado pela Exame - leia o original aqui.