Os residentes da Ilha do Fogo, no Canadá, dependeram do bacalhau durante séculos como fonte primária de rendimento. Em 1992, o governo Canadiano anunciou uma moratória à pesca do bacalhau na zona norte do Oceano Atlântico, como forma de fortalecer um stock em declínio. No entanto, esta medida gerou uma onda de desemprego que forçou muitos habitantes da Ilha do Fogo a deixar a indústria e a comunidade, diminuindo significativamente a população da ilha.
O

destino da Ilha do Fogo é muito parecido com o de inúmeras comunidades a nível global. A diminuição dos recursos, acompanhada pela atratividade dos grandes centros urbanos, leva ao esgotamento das oportunidades económicas e ao desaparecimento da cultura e conhecimento característico de cada comunidade.

No entanto, os habitantes da Ilha do Fogo desafiaram a trajetória de declínio: em 2016, nasceu a Shorefast, uma instituição de caridade canadense com o objetivo de criar oportunidades económicas para os habitantes da ilha, enquanto a homenageia e promove sua cultura única. Com base nos princípios de inovação social (Tracey e Stott, 2017), a abordagem da Shorefast ao desenvolvimento da comunidade atraiu a atenção global. Um dos grandes exemplos foi a sua capacidade de aproveitar a cultura de hospitalidade da ilha, a sua localização isolada e previligiada e as competências de marcenaria e carpintaria dos seus habitantes para criar um estabelecimento hoteleiro de luxo. O Fire Island Inn tem 29 quartos e o seu lucro é reinvestido na comunidade. Além disso, foi também criada a Fogo Island Shop, uma loja que vende mobiliário desenhado e construído localmente, e um mercado de bacalhau fresco, pescado de forma sustentável e vendido a preços premium a restaurantes de excelência nos grandes centros urbanos. A Shorefast foi ainda capaz de criar um programa de microcrédito que financiou empreendedores locais a perseguir os seus próprios objetivos e ideias de negócio.

A nossa equipa investigou a abordagem inovadora da Shorefast à reabilitação de uma comunidade nos últimos sete anos (Slawinski et al., 2019). Durante a nossa a análise, identificámos cinco princípios que integrámos no modelo "PLACE Model of Community Development": (1) Promover "campeões" da comunidade; (2) Ligar os locais aos não-locais; (3) Avaliar as competências locais; (4) Criar narrativas aliciantes; e (5) Envolver ambos/e pensar. Este modelo tem sido usado para apoiar e guiar comunidades, em Newfoudland and Labrador, que procura uma forma de seguir em frente num contexto de globalização, através do empreendedorismo social e comunitário.

1. Promover "campeões" da comunidade

Encontrar e reunir aqueles que acreditam no futuro de um lugar é crítico, porque, até em comunidades em declínio, as pessoas têm muitas vezes medo da mudança. Desde que a Shorefast começou a criar iniciativas, muitos habitantes da Ilha do Fogo regressaram a casa e tornaram-se guerreiros locais, com participação ativa na construção de oportunidades. A instituição investiu no desenvolvimento do talento dos seus trabalhadores, o que aumentou a sua autoconfiança e alimentou a esperança no futuro da ilha. Os membros da comunidade tornaram-se, assim, "campeões" capazes de fazer a comunidade seguir em frente, graças à sua própria autoestima reforçada. Além disso, como "campeões" nutrem "campeões", foi criada uma linha de futuros líderes da comunidade que alimentou o crescimento exponencial que ajuda a transformar a própria comunidade.

2. Ligar os locais e os não-locais

Os "campeões" incluem pessoas nascidas e criadas na comunidade, bem como os que vêm de outros lugares. Cada um deles traz recursos diferentes. Os locais, incluindo os voluntários da comunidade, representantes do governo e empresários têm um conhecimento único e profundo da comunidade. Os não-locais, como os residentes recentes, os meios de comunicação e os académicos trazem novas competências e perspetivas à comunidade, ajudando frequentemente os locais a olhar para a sua terra com novos olhos. Quando os locais e os não-locais trabalham juntos, facilmente surgem novas oportunidades para renovar a comunidade. Por exemplo, a Shorefast convidou designers de renome para visitar a ilha e cocriar mobiliário com carpintarias locais. As suas peças decoram o Inn, o que as torna ainda mais apelativas, e são vendidas na loja, acabando por gerar ainda mais oferta de trabalho e lucro para a comunidade.

3. Avaliar as competências locais

As comunidades em declínio levam os seus habitantes a focar-se frequentemente no que não têm ou no que lhes falta. No entanto, reconstruir uma comunidade começa com os seus ativos correntes. Para reabilitar a ilha do Fogo, os membros da Shorefast utilizaram abordagens de Asset Based Community Development (ABCD) (Kretzmann e McKnight, 1993) e Appreciative Inquiry (Cooperrider e Srivasta, 1987) e começaram por levantar questões como: "O que é que nós temos? O que é nós mais gostamos? De que sentimos mais falta?".  A equipa de Shorefast valorizou recursos como a natureza, a cultura e o capital humano, identificando recursos-chave como igrejas e edifícios abandonados, competências na construção de barcos e uma tendência cultural para a hospitalidade revelada pelos habitantes da ilha. Consequentemente, as recomendações da instituição basearam-se neste conjunto de ativos singulares.

4. Criar narrativas aliciantes

Ser bem-sucedido no desenvolvimento de comunidades depende da partilha de histórias positivas sobre o lugar e as pessoas. Estas narrativas são capazes de alterar mentalidades e motivar novos comportamentos. As histórias certas reformulam desafios como oportunidades, desviam a atenção da escassez para a exploração do que é abundante, e convidam as pessoas a expandir a sua abordagem à resolução de problemas. Neste sentido, narrativas aliciantes são capazes de motivar as pessoas a refletir sobre como outros foram capazes de ultrapassar dificuldades no passado, e inspirá-las a manter a esperança e o compromisso para com o trabalho. As histórias conseguem ser uma ferramenta motivacional, especialmente quando os líderes encontram a mensagem certa e a repetem.

5. Envolver ambos/e pensar

O caminho de reabilitação de uma comunidade está repleto de tensões e contradições: entre o velho e o novo; a tradição e a inovação; a comunidade existente e a futura; e entre o desenvolvimento local e global. Por exemplo, investir dinheiro no melhoramento das estradas pode competir com o investimento na preservação de edifícios do património. No entanto, há inúmeras formas de os "campeões" controlarem a tensão. Eles podem adotar a ambiguidade; manter acesa a discussão de tópicos fraturantes; discordar ativamente; ou observar até encontrar a altura certa para intervir. Os "campeões" da comunidade não devem ter medo de discordar ou de esperar para tomar decisões importantes até que tenham compreendido as tensões e encontrado uma abordagem mais holística em relação ao problema. Como a CEO da Shorefast, Zita Cobb, realça: a vida depende de aprender a "viver ao ritmo dos opostos".

Os cinco princípios do modelo PLACE servem de guia e ajudam os "campeões" a contribuir para a inovação social e reforço das suas comunidades. Em Ilha do Fogo, a Shorefast colocou o modelo no centro da tomada de decisão. Consequentemente, esta ênfase tem-se traduzido em diversas iniciativas que permitiram que a ilha se tornasse mais resiliente num contexto global. Atualmente, a Ilho do Fogo serve de inspiração a diversas comunidades que enfrentam desafios semelhantes.

Artigo publicado originalmente em Cambridge Social Innovation Blog

Referências

Cooperrider, David L., and Suresh Srivastva. 1987. ‘Appreciative inquiry in organizational life.’ Research in Organizational Change and Development, 1:1: 129-169.

 

Kretzmann, J., & McKnight, J. 1993. Building Communities from the Inside Out: A Path Toward Finding and Mobilizing a Community’s Assets. Chicago: ACTA Publications.

 

Slawinski, N., Winsor, B., Mazutis, D., Schouten, J., & Smith, W. 2019. ‘Managing the paradoxes of place to foster regeneration’. Organization & Environment. Forthcoming.

 

Tracey, P. & Stott, N. 2017. ‘Social innovation: A window on alternative ways of organizing and innovation’. Innovation, 19:1: 51-60.

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Publicado em 
28/6/2019
 na área de 
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