É nas vulnerabilidades que encontramos a chave para ultrapassar bloqueios, ter acesso a uma corrente de talentos e potencial que estava presa. É aí que residem os tesouros mais bem guardados pelas nossas partes protetoras. A intenção é boa. Fingir que não existem, perante os outros e perante nós próprios. Fomos assim educados. Acreditamos que as vulnerabilidades são para esconder ou ignorar. E assim “deitamos o bébé fora com a água do banho”.
B

rené Brown, professora e investigadora na Graduate College of Social Work da Universidade de Houston, no livro "Daring Greatly" (2012) define vulnerabilidade como incerteza, risco e exposição emocional. A investigação que realizou conclui que aceitar a vulnerabilidade, em nós e nos outros, nos torna mais criativos. Conecta-nos com a paixão e sentido de propósito, tornando-nos paradoxalmente mais fortes, com mais recursos para lidar com a adversidade e capazes de gerar soluções.

No livro "Rising Strong" (2015), Brown considera a vulnerabilidade não uma fraqueza, mas um grande sinal de coragem. Foi esta coragem de dizer a verdade que exigimos aos governantes quando fomos para casa e ficámos confinados. Não queríamos a pílula dourada, queríamos a verdade, por dura que fosse. Assumiu-se a vulnerabilidade de haver recursos escassos no SNS e logo apareceram empresas privadas a produzir e oferecer viseiras, máscaras, álcool gel aos que estavam na linha da frente. Apareceram os primeiros ventiladores produzidos em Portugal.

Assumir a vulnerabilidade não é desistir. É o contrário. É abrir a porta a soluções. Em coaching, quanto maior a coragem de assumir vulnerabilidades, maior a transformação que ocorre. Esse encontro com a verdade, gera a energia transformadora e criativa que produz respostas e soluções que antes não existiam.

A par das ameaças reais na sequência da pandemia: desde o risco de infeção aos sérios impactos sócio-económicos, emergem também respostas criativas. A pandemia coloca todas as organizações, todos os líderes e respetivas equipas, numa zona de imensa vulnerabilidade. A energia gerada pelas emoções e a oportunidade de tomada de consciência é imensa. Que não se perca a oportunidade de evoluir para um qualquer nível mais elevado de consciência e propósito, por falta de visão, por medo ou perda de contacto com a inteligência mais subtil e verdadeira.

A jornada do herói, arquétipo coletivo referido por Joseph Campbell - autor americano conhecido pelo seu trabalho em mitologia comparada - na obra "A Thousand Faces Hero" (1949), tem sido amplamente utilizado no cinema e na literatura. Este arquétipo corresponde à ideia de uma pessoa normal que se torna num herói (que existe dentro de cada um de nós) pela forma como supera testes e provações de vida, ascendendo a níveis mais avançados de sabedoria. Esta possibilidade de transformação inerente às grandes provações, está latente no inconsciente coletivo e emerge de forma espontânea, como está a acontecer no caso dos profissionais da linha da frente, cujo mérito os elevou ao estatuto de heróis. 

Para poder contactar com o herói que há em si, não deixo recomendações nem respostas. Convido a uma reflexão baseada em perguntas que tornam conscientes e ativam as transformações que está já preparado para fazer:

  1. Que sinais estou a captar sobre mudanças emergentes que irão alterar a realidade tal como a conheço?
  2. O que me assusta nessa mudança, que me possa estar a impedir de construir respostas ajustadas? É possível para mim parquear por uns instantes esses receios e dar-me permissão para explorar as novas possibilidades que existem em qualquer mudança?
  3. Se essas mudanças emergentes trouxessem novas oportunidades, que oportunidades seriam essas? Em que é que me inspiram no meu propósito de vida? Se decidisse focar-me nessas oportunidades, o que faria? Que resultados significativos e gratificantes poderia alcançar?
  4. Voltando agora aos receios, que riscos reais enfrento? Que opções de mitigação desses riscos consigo identificar? De que recursos disponho que podem ajudar nessa mitigação?
  5. Se pudesse escolher apenas uma opção, focaria a minha energia e atenção na gestão de riscos ou na criação de oportunidades? E se fosse possível fazer ambas as coisas, qual a distribuição certa para mim: ? % na gestão de risco e ? % a investir na criação de oportunidades?
  6. Com esta reflexão, que escolhas percebi que posso fazer? O que está ao meu alcance e depende de mim? Qual o mais pequeno passo que posso dar já?

 

Esta fase há-de passar, mas como diz Yuval Noah Harari, professor na Universidade Hebraica de Israel e autor de "21 Lessons for the 21st Century" (2018), no artigo do Financial Times, de 20 de Março, "The World After Coronavirus": "this storm will pass. But the choices we make now could change our lives for years to come".

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Publicado em 
6/5/2020
 na área de 
Liderança & Pessoas

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