Imagino que a pergunta vos tenha feito pensar em mulheres. Possivelmente pensaram em mulheres que já se candidataram - ou talvez tenham tido dificuldade em imaginar mulheres que pudessem agora candidatar-se.
Outra pergunta: pensariam em mulheres se a pergunta fosse feita no masculino?
A pergunta "quem será o próximo Presidente da República?" faz-nos tipicamente pensar nas imagens que já vimos, num país que até agora só teve homens a desempenhar este cargo. Tendemos a lembrar-nos de imagens do passado para projetar o futuro. E, para esta pergunta, teremos talvez mais respostas possíveis, até porque temos sempre mais facilidade em imaginar homens em cargos de liderança. O perfil parece sempre mais adequado, o encaixe mais confortável.
O masculino na nossa língua é alguma vez verdadeiramente neutro? Não parece.
Uma pergunta neutra em termos de género seria "quem será a próxima pessoa a ser eleita Presidente da República?". Neste caso talvez consigamos pensar logo em mulheres, dependendo do peso das memórias e das imagens que temos. Ou talvez não.
Mas se perguntarmos "quem será a próxima ou o próximo Presidente da República?", é mais difícil esquecermo-nos de equacionar mulheres.
Ou seja, a linguagem importa, porque não é só consequência de como pensamos: muitas vezes é a linguagem que nos faz (ou não) pensar, é a linguagem que determina as nossas escolhas e ações.
O impacto das três formulações da mesma pergunta é bem diferente: a pergunta no masculino "neutro" reforça o passado, que afastou as mulheres do espaço público e político; a pergunta neutra reforça o presente, ainda com um grande lastro de discriminação (nomeadamente no acesso a cargos de liderança) que vem desse passado; a pergunta que explicita o feminino e o masculino obriga-nos a tentar imaginar um futuro melhor.
O debate sobre linguagem inclusiva gera sempre resistências, começando pela preguiça que costuma vir associada a tudo o que é novo - e que exige aprendizagem. Mas é altura de percebermos que perdemos muito se não vencermos esta preguiça. E que não é assim tão difícil fazê-lo.
Numa empresa, é sempre fundamental evitar que o "falso neutro" (ou seja, o masculino) nos faça esquecer das mulheres:
- porque importa que pessoas com as capacidades certas para funções de liderança sejam efetivamente consideradas, com a noção de que temos mesmo assim mais resistência (por uma questão de hábito) a imaginar mulheres em cargos de poder;
- porque importa que o desenho institucional (incluindo horários e metodologias de trabalho) garanta que tanto mulheres como homens conciliem a vida profissional com a vida pessoal e com a vida familiar;
- porque a nossa cultura é muito assente na desigualdade - e ensinada desde o momento em que nascemos - acaba até por fazer com que as mulheres sejam tipicamente expostas a mais dimensões da vida do que os homens (incluindo a dimensão fulcral do cuidar); lembrar a existência de mulheres a cada passo - e incluir sempre mulheres nos processos de tomada de decisão - pode ajudar-nos a perceber melhor o mundo em que vivemos e que muitas vezes esse não é o mundo que nos ensinaram a ver; aliás, em geral, a diversidade aos mais diferentes níveis (de género, origem étnico-racial, orientação sexual, etc.) contribui para decisões mais informadas e adequadas à realidade, porque a nossa história de desigualdade faz com que haja ainda muitos dados relevantes que só são conhecidos por quem é alvo dessa desigualdade.
O "masculino neutro" é sempre falso, na linguagem e nas práticas. Idealmente, cada empresa desenhará e implementará, por isso, o seu plano para a igualdade, que inclua a linguagem. Mas, começando pela linguagem, como podemos então torná-la inclusiva?
Uma forma simples que funcionou sempre para mim: falar e escrever começando por pensar que só existem mulheres no mundo; e depois acrescentar os homens (é improvável que nos esqueçamos de homens, não há risco em deixá-los para o fim).
As mulheres não são parêntesis como em “Caros(as) amigos(as)”, são tão centrais como os homens. E, quando possível, devem surgir primeiro para nos lembrar de que tendem a surgir sempre depois no nosso pensamento: "Caras/os amigas/os". Ou, sem barras, "caras amigas e caros amigos".
E, claro, há várias palavras neutras que podemos privilegiar em vez de usarmos palavras cheias de género - porque também é bom podermos garantir alguma economia na comunicação e evitarmos muitas barras na linguagem escrita. Reparem neste texto: quantas vezes aparecem as barras?
Eu podia ter escrito ali em cima "esse não é o mundo que fomos ensinadas/os a ver" e em vez disso optei por "esse não é o mundo que nos ensinaram a ver". Resolvido.
Não é difícil escrever e falar e pensar em linguagem inclusiva; o guia publicado pela CIG ajuda - e há várias formulações alternativas que têm sido propostas, até porque a linguagem inclusiva também pode e deve ser pensada para incluir outras minorias de poder, como as pessoas LGBT+.
Mas, se queremos mesmo muito usar o género e evitar barras ou repetições, porque não alternar o feminino e o masculino ao longo de um texto? E, claro, sempre que queremos pensar em dimensões das quais as mulheres tipicamente, foram excluídas - como a Presidência da República -, explicitemos, enfatizemos, deixemos a nossa imaginação ver mais longe.
O nosso futuro pode mesmo ser melhor do que o nosso passado.