esde a Revolução Industrial que o Direito do Trabalho tem sido desafiado e estimulado pela realidade social, tendo conseguido ultrapassar, com êxito, os desafios emergentes do advento das máquinas e das novas tecnologias. Mais recentemente, a digitalização, a automatização, a descentralização, a deslocalização, a desmaterialização e a inteligência artificial fizeram ressurgir o debate sobre a necessidade de um ramo do Direito dedicado ao (re)equilíbrio das relações entre empregador e trabalhador.
Hoje como dantes: será que o Direito do Trabalho tem os dias contados? Num cenário extremo de total substituição das pessoas pelas máquinas, o Direito do Trabalho (provavelmente) deixaria de existir. Não nos parece que esta hipótese se coloque, pelo menos, nos anos mais próximos. Contudo, as relações laborais estão a sofrer modificações significativas que não podem ser ignoradas.
Algumas profissões podem sofrer alterações significativas e outras podem, inclusivamente, desaparecer. Contudo, começam também a surgir novas profissões como, por exemplo, o encarregado de proteção de dados. Além disso, temos de lidar com a mudança constante – ou instabilidade – da legislação laboral. Em cerca de 15 anos, tivemos o Código do Trabalho de 2003, com 4 alterações, e o Código do Trabalho de 2009, com 13 modificações, sem prejuízo de outras que têm sido anunciadas pelo Governo e pelos partidos que suportam a atual maioria parlamentar.
Perante este cenário, cumpre saber se conhecemos as respostas às principais questões laborais, nomeadamente:
1. Existe alguma convenção coletiva de trabalho aplicável ao meu setor ou à minha empresa?
Desde o dia 16 de abril de 2018, a DGERT – Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho passou a disponibilizar uma ferramenta para pesquisa de convenções coletivas de trabalho.
Todavia, os empregadores e os trabalhadores devem verificar se as convenções coletivas de trabalho são (efetivamente) aplicáveis ao caso concreto, por força do princípio da filiação, através dos mecanismos legalmente previstos de alargamento do seu âmbito de aplicação ou atendendo às regras de sobreposição e concorrência de convenções coletivas de trabalho.
2. Qual é a diferença entre um contrato de trabalho e um contrato de prestação de serviço?
O contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas. Por seu lado, o contrato de prestação de serviço pode ser celebrado por uma pessoa singular ou coletiva, a qual presta a sua atividade de forma autónoma e independente.
Todavia, trata-se de uma das questões mais controvertidas. Para o esclarecimento dos casos duvidosos, podemos recorrer, por exemplo, à presunção de laboralidade: presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
(i) a atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
(ii) os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
(iii) o prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
(iv) seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
(v) o prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
3. Em que situações posso utilizar o contrato de trabalho a termo ou o contrato de trabalho temporário?
O contrato de trabalho a termo resolutivo e o contrato de trabalho temporário devem ser celebrados por escrito e só podem ser celebrados para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade.
4. Quais são os riscos associados à utilização indevida de um contrato de prestação de serviço, de um contrato de trabalho a termo ou de um contrato de trabalho temporário?
A utilização indevida de um contrato de prestação de serviço, de um contrato de trabalho a termo ou de um contrato de trabalho temporário conduz, designadamente, à sua conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado.
5. Quais são as respostas laborais à economia digital? É um terreno livre de preocupações laborais?
A economia digital pode desafiar os limites da legislação laboral, mas não é um terreno livre de preocupações laborais. Com efeito, os tribunais de diversos países têm considerado que a prestação de atividade através de plataformas pode ter natureza laboral. Por outro lado, colocam-se diversos problemas no que diz respeito à segurança e saúde dos trabalhadores, à utilização de redes sociais e à salvaguarda da privacidade dos trabalhadores.
6. O que devo fazer para proteger a privacidade e os dados pessoais na minha organização?
Com a entrada em vigor do Regulamento Geral de Proteção de Dados Pessoais, as empresas devem promover, desde logo, uma auditoria interna com os objetivos de, por um lado, identificar os dados pessoais a que têm acesso e, por outro lado, definir uma estratégia que vise a sua proteção e salvaguarda.
7. A minha empresa deve designar um encarregado de proteção de dados? Pode ser um trabalhador? Deve ser um prestador de serviço?
A resposta à primeira questão dependerá do tipo de empresa e da atividade prosseguida. O enquadramento jurídico do encarregado de proteção de dados tem suscitado muitas dúvidas e, por isso, a solução dependerá das circunstâncias do caso concreto.
8. O empregador pode decidir livremente a atividade a desempenhar pelo trabalhador? Quais são os limites?
O empregador tem poder de direção para concretizar a atividade contratada durante a execução do contrato de trabalho. Contudo, deve atender aos direitos e garantias atribuídos aos trabalhadores relacionados, designadamente, com a categoria profissional e a autonomia técnica e científica.
9. Quais são as consequências do não acatamento de uma ordem? O que pode fazer o empregador? Como pode reagir o trabalhador à atuação do empregador?
Em determinados casos, os trabalhadores podem recusar-se a cumprir uma ordem do empregador. Não obstante, é uma decisão que deve ser devidamente ponderada, porque o empregador pode promover um procedimento disciplinar com ou sem intenção de despedimento com justa causa.
Nestas situações, o trabalhador pode recorrer ao apoio de um sindicato e/ou de um advogado, bem como à Autoridade para as Condições do Trabalho ou aos Tribunais.
10. Qual é a diferença entre assédio e conflito laboral?
O assédio pode ser moral ou sexual. O primeiro consiste no comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional. O segundo baseia-se no comportamento indesejado de caráter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física. Ambos devem ter o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. Nos demais casos podemos falar de “meros” conflitos laborais, os quais merecem igualmente a tutela do Direito, em função das circunstâncias do caso concreto.
11. O que deve fazer o empregador numa situação de assédio entre trabalhadores ou promovido por um terceiro (por exemplo, cliente ou fornecedor)?
As empresas com sete ou mais trabalhadores devem adotar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho. Em qualquer caso, sempre que tenha conhecimento de factos que possam configurar uma situação de assédio, o empregador deve, pelo menos, iniciar um procedimento interno de inquérito com o objetivo de apurar, ainda que indiciariamente, a sua existência ou veracidade. Posteriormente, deve adotar as medidas que se revelem necessárias para eliminar a situação de assédio.
12. Como poderá o empregador proteger a informação confidencial, o know-how e os segredos de negócio?
O empregador deverá combinar mecanismos jurídicos, tecnológicos e procedimentais. Entre os mecanismos jurídicos, podemos referir a elaboração de cláusulas de confidencialidade, de sigilo, de não concorrência ou de permanência.
13. Como se pode alterar o local de trabalho? O empregador pode ser obrigado a alterar o local de trabalho a pedido do trabalhador?
O local de trabalho pode ser alterado de forma temporária ou definitiva, por ordem do empregador ou, no caso de violência doméstica, a pedido do trabalhador. No primeiro caso, o empregador deve cumprir um procedimento legalmente previsto, o qual impõe os deveres de fundamentação e de observância de aviso prévio. No segundo caso, o empregador apenas pode adiar a transferência com fundamento em exigências imperiosas ligadas ao funcionamento da empresa ou serviço, ou até que exista posto de trabalho compatível disponível, sem prejuízo do direito do trabalhador de suspender a execução do contrato de trabalho.
14. Quais são os mecanismos de conciliação da vida pessoal com a vida profissional? O trabalhador pode impor alterações à organização do trabalho?
Para além do regime da proteção da parentalidade, podemos referir os mecanismos de adaptabilidade ou ajustamento do tempo de trabalho – por exemplo, o banco de horas –, bem como a prestação da atividade em regime de isenção de horário de trabalho, de trabalho a tempo parcial ou de teletrabalho. Estes instrumentos produzem alterações na organização empresarial que devem ser antecipadas e reguladas.
15. O que é um acidente de trabalho? Quais são os comportamentos que devem ser adotados pela empresa numa situação de (aparente) acidente de trabalho?
Em regra, é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. Contudo, devem ser, ainda, considerados, por exemplo, os acidentes de trajeto.
O empregador que tenha transferido a responsabilidade por acidente de trabalho para uma seguradora deve, sob pena de responder por perdas e danos, participar àquela seguradora a ocorrência do acidente, no prazo de vinte e quatro horas, a partir da data do conhecimento.
16. Quais são as modalidades de cessação do contrato de trabalho?
O contrato de trabalho pode cessar nomeadamente por:
(i) caducidade;
(ii) revogação (acordo entre empregador e trabalhador);
(iii) despedimento por facto imputável ao trabalhador (justa causa disciplinar);
(iv) despedimento coletivo;
(v) despedimento por extinção de posto de trabalho;
(vi) despedimento por inadaptação;
(vii) resolução pelo trabalhador (com justa causa);
(viii) denúncia pelo trabalhador, com ou sem aviso prévio.
17. Quais são os riscos associados ao não cumprimento do procedimento legalmente previsto para a cessação do contrato de trabalho?
A declaração de ilicitude da cessação do contrato de trabalho promovida pelo empregador confere ao trabalhador, designadamente, o direito de ser reintegrado (ou de receber, em alternativa, uma indemnização de antiguidade) e de auferir os denominados “salários intercalares”, isto é, aqueles que se vencerem na pendência da ação de impugnação do despedimento.
Por seu lado, o trabalhador que não cumpra o procedimento legalmente previsto pode ser obrigado a indemnizar o empregador.
18. O que é o contrato de trabalho com pluralidade de empregadores?
O trabalhador pode obrigar-se a prestar trabalho a vários empregadores entre os quais exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou que tenham estruturas organizativas comuns (v.g. partilhem um escritório ou um consultório).
Este contrato de trabalho deve ser reduzido a escrito e conter:
(i) a identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
(ii) a indicação da atividade do trabalhador, do local e do período normal de trabalho;
(iii) a indicação do empregador que representa os demais no cumprimento dos deveres e no exercício dos direitos emergentes do contrato de trabalho.
19. Quais são os riscos laborais associados ao outsourcing e à compra e venda de empresas?
Entre outras questões, no outsourcing e na compra e venda de empresas deve atender-se ao regime da transmissão de estabelecimento, o qual impõe a manutenção dos trabalhadores que prestam a sua atividade na empresa, no estabelecimento ou na unidade de negócio transmitida. O novo empregador pode ser obrigado a assumir um conjunto de trabalhadores que não escolheu e cujas condições de trabalho foram determinadas pelo empregador anterior. Os riscos laborais associados à transmissão de estabelecimento são frequentemente identificados nas auditorias realizadas em momento anterior ao negócio.
20. Devo constituir uma comissão de trabalhadores?
Os trabalhadores têm direito de criar, em cada empresa, uma comissão de trabalhadores para defesa dos seus interesses e exercício dos direitos previstos na Constituição e na lei. Ao invés, o empregador não se pode opor, nem condicionar o exercício lícito deste direito dos trabalhadores.
Atenção:
Todas estas questões (e respetivas respostas) devem ser revistas e reponderadas atendendo às circunstâncias do caso concreto. A tomada de decisões com base em orientações ou informações genéricas comporta incertezas e inseguranças que devem ser evitadas.