Esta subida das taxas de juro têm um impacto brutal nas famílias portuguesas com crédito à habitação considerando que mais de 90% destas têm esse crédito associado a uma taxa variável. No caso de taxa variável, o aumento das taxas de juro conduziu nos últimos meses a um aumento quase imediato no valor da prestação, tendo-se estado a registar aumentos que chegam ao dobro do valor da prestação inicial!
Pode-se dizer que o facto da maior parte do crédito à habitação ser a taxa variável se deve à falta de uma oferta competitiva pelos bancos, mas será também certamente devido à falta de conhecimentos de literacia financeira das famílias.
Efetivamente, as famílias com rendimentos mais baixos e taxas de esforço do seu crédito à habitação mais elevadas (acima de 30%) deveriam optar por um crédito a taxa fixa, de forma a reduzirem o seu risco face a possíveis aumentos de taxa de juro (que rapidamente as coloca num grande desafio de gestão do orçamento familiar e, no limite, pode levar à perda da casa por incumprimento do crédito).
É importante notar que a taxa fixa é geralmente mais elevada que a taxa variável no momento da contratação do empréstimo, mas, por outro lado, as famílias ficam a saber com o que contar no futuro e desta forma podem melhor fazer o seu planeamento financeiro.
Nos casos extremos de dificuldades financeiras é importante pedir aconselhamento e abordar o banco para reestruturar o crédito (por exemplo, através da descida da taxa de juro ou do aumento do número de anos para reembolso) de forma a reduzir o impacto do aumento da prestação do crédito nos gastos mensais. Os bancos também têm todo o interesse em fazer esta renegociação, pois é lhes favorável que uma família tenha uma situação financeira sustentável e assim evitar um incumprimento que também tem custos significativos para o banco.
Qual é a situação da literacia financeira em Portugal? Os estudos internacionais mostram que os níveis de literacia financeira são baixos. Por exemplo, um estudo por Klapper and Lusardi (2019) constatou que Portugal apresenta o pior índice de literacia financeira da zona euro. Essa evidência indica a necessidade de intervenções direcionadas e adaptadas às necessidades específicas de cada público-alvo (Lusardi, 2019), a fim de impactar positivamente os níveis de literacia financeira.
Além disso, os estudos têm enfatizado a importância de programas contínuos, ao invés de intervenções esporádicas. É ainda importante identificar quais são os grupos prioritários onde o impacto da formação em literacia financeira pode ter maior impacto.
A “Estratégia de Literacia Financeira Digital para Portugal”, iniciativa conjunta do Banco de Portugal, Comissão Europeia, e OCDE, identifica os grupos mais vulneráveis: jovens (16-24 anos), adultos de meia-idade e idosos (mais de 55 anos), indivíduos de baixos rendimentos e baixas qualificações e mulheres. Portanto, é prioritário desenvolver programas de literacia financeira que tenham como público-alvo estes grupos.
É preciso reconhecer que a mudança de hábitos e comportamentos financeiros é mais fácil e com efeitos mais duradouros nos mais jovens. O estudo de Brown e outros autores (2016) analisou o impacto da inclusão de educação financeira nos currículos escolares nos comportamentos financeiros dos jovens norte-americanos.
Os resultados do estudo indicaram que a educação financeira contribui para terem menores níveis de endividamento e dívidas em atraso. Um estudo experimental de Frisancho (2022), no qual os alunos no Peru recebem formação sobre literacia financeira no ensino secundário, conclui que os alunos passaram a ter comportamentos financeiros mais responsáveis — poupam dinheiro regularmente e evitam dívidas excessivas.
No contexto dos adultos, as universidades podem desempenhar um papel importante ao promover formações em literacia financeira e facilitar a interação entre a academia e a sociedade. Um exemplo é o programa “Finanças para Todos”, promovido pela Nova SBE em parceria com a Fidelidade e a CFA Society Portugal, que oferece formação gratuita em literacia financeira para aqueles que demonstram interesse em aprender.
No âmbito deste programa, já receberam formação mais de 500 pessoas em formato presencial ou online. Este programa tem permitido formar pessoas de várias idades (já tivemos pessoas com mais de 70 anos!), com diferentes níveis de qualificação (40% não tem ensino superior) e de rendimento (cerca de 50% pertence a um agregado familiar cujos rendimentos são inferiores a 1500 euros líquidos mensais)), e uma percentagem notável de mulheres (cerca de 75% dos formandos). O programa tem como objetivo formar mais de 1500 pessoas no ano letivo 2023/2024.
Como em qualquer programa ou política pública, é fundamental avaliar de forma rigorosa e com métodos científicos o impacto da formação nos comportamentos e decisões financeiras tomadas pelas pessoas alvo do programa. Deste modo, podemos tirar lições sobre como desenhar programas a nível nacional que sejam eficazes (que maximizem o impacto com o mínimo custo possível).
Além disso, as grandes empresas e as associações empresariais devem promover programas de literacia financeira junto dos seus colaboradores e associados. Esta pode ser também uma estratégia eficaz para melhorar a literacia financeira na sociedade.
Programas voltados para empresas com um grande número de trabalhadores e salários médios baixos, como no setor do retalho, comércio e turismo, podem ter um impacto significativo tanto para os indivíduos quanto para as organizações em termos de melhoria dos níveis de produtividade, um dos principais desafios da economia portuguesa.
Este texto trata-se de uma republicação de um artigo de opinião partilhado bno Jornal Económico - leia o original aqui.