Que perfeito seria o mundo se algo ou alguém nos ajudasse a fazer escolhas perfeitas, ou tomasse, por nós, decisões perfeitas.
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diamos escolher. Escolher cansa-nos. Esgota-nos. Faz-nos gastar imensa energia. Odiamos decidir. Porque sabemos que nunca teremos os dados suficientes para o fazer. Precisamos de mais dados para fazermos escolhas perfeitas. Por isso, andamos desesperadamente a criar máquinas perfeitas, dotadas de uma inteligência perfeita que nos ajudem a tomar decisões ainda mais perfeitas. E este seria um pensamento perfeito, se não estivesse completamente errado.

Valorizamos assim tanto as decisões perfeitas?

Ayanna Howard, uma engenheira roboticista do Georgia Institute of Technology concluiu que os humanos não confiam em robots demasiado perfeitos. O primeiro protótipo de um robot criado para evacuar de emergência as pessoas de um hospital em chamas, revelou ser um fracasso, pelo simples facto de ser demasiado perfeito. O robot, que utilizava dados em tempo real do sistema de alarme de incêndio, nunca se enganava nos corredores que escolhia. O mais surpreendente foi perceber que este robot perfeito não mereceu a confiança dos humanos que o seguiam. A equipa de Ayanna tratou então de codificar alguns erros que o robot passaria a cometer. Quando se apercebia que tinha cometido um erro, pedia desculpa e avançava para o caminho correto. Os humanos confiaram muito mais nesta segunda versão. Talvez porque reconhecessem coisas que nós humanos somos mestres a fazer? Tal como errar? E pedir desculpa, quando erramos?

O nosso desassossego em relação às escolhas perfeitas e a necessidade de criar uma outra inteligência que nos ajudasse a decidir, começou no momento em que a ciência nos revelou como é que nós afinal decidimos. Percebemos que, ao contrário do que imaginávamos, não conseguimos tomar nenhuma decisão sem envolver as nossas emoções. E o problema é que as emoções humanas são tudo menos perfeitas. Percebemos também que os outros impactam a quase totalidade das nossas escolhas, porque somos seres sociais e vamos querer sempre fazer parte do grupo. E o problema é que os outros, como nós bem sabemos, são tudo menos perfeitos. Percebemos assim que as nossas escolhas quase nunca resultam de um processo racional e consciente. E isso assustou-nos. E ainda assusta. Era mais ou menos como concluir que o invulgar método de decisão dos antigos persas que foi tão bem descrito por Heródoto, era afinal bem mais sofisticado do que aparentava ser. Tomavam as grandes decisões, discutindo-as duas vezes. A primeira vez, bêbados. A segunda, sóbrios. Se quando estivessem sóbrios a decisão fosse a mesma da que haviam tomado quando estavam ébrios, mantinha-se. Se fosse contrária, era rejeitada. Será que este original método de fazer escolhas ajuda a explicar a hegemonia da civilização Persa durante tantos séculos?

Mas seria o primeiro protótipo de Ayanna, um robot realmente perfeito?

Aos nossos olhos humanos, sim. Acreditamos verdadeiramente na perfeição dos algoritmos. Mas esquecemo-nos de um detalhe importante. Que os dados que alimentam o deep learning da inteligência artificial são os nossos dados. Aqueles dados que nós produzimos durante décadas e que guardam todos os nossos preconceitos humanos inconscientes e encerram todos os nossos estereótipos de género, de origem, de raça, de estrato social, que hoje correm o risco de ser amplificados pelas máquinas. Quando perante a imagem desfocada de uma pessoa na cozinha, o algoritmo identifica uma mulher, e ao volante de um automóvel, um homem, as nossas esperanças de ter ao nosso lado outra inteligência que nos ajude a tomar decisões perfeitas, começa a desvanecer-se.

No meio de tanta incerteza e perante um número infinito de opções, de uma coisa temos a certeza. Vamos errar. Vamos fazer escolhas erradas ao longo dos próximos tempos. Muitas. Imensas. Nós e os algoritmos. Sim, eles também vão continuar a ajudar-nos a errar. Mas talvez isso não seja afinal uma má notícia. Se conseguirmos aceitar que as nossas escolhas são uma saudável mistura entre o êxtase de vermos uma roda da fortuna colorida a girar à nossa frente e a serena melancolia que nos invade quando a roda pára e nos revela o resultado da nossa escolha. Uma espécie de fusão entre os circle spin paintings do Damien Hirst e as personagens pensativas do Edward Hopper.

E, nessa altura, talvez consigamos finalmente perceber que a maior ilusão de todas é a ilusão de que a nossa vida seria perfeita se as nossas escolhas fossem perfeitas.

Odiamos decidir. Odiamos escolher. Porque odiamos perder. Sempre que escolhemos, perdemos algo. Perdemos tudo aquilo que não escolhemos. E nós não queremos perder nada, porque queremos sempre tudo. Se aprendêssemos a perder, talvez não ficássemos tão desassossegados na hora de escolher. Talvez não tivéssemos tanto medo de decidir. Porque, caso errássemos e entrássemos num corredor em chamas, só teríamos que fazer como o robot da Ayanna. Pedir desculpa. E continuar a caminhar.

Publicado em 
29/7/2020
 na área de 
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