Os bancos da União Europeia sujeitos ao International Financial Reporting Standards (IFRS) tiveram de implementar o IFRS 9 a partir de 1 de janeiro de 2018. Uma das principais preocupações com a implementação do IFRS 9 é que este viesse a causar um aumento súbito das estimativas de perdas esperadas (Expected Credit Loss - ECL), o que provocaria uma descida abrupta e significativa dos rácios de capital regulamentares Common Equity Tier 1 (CET1) para muitos bancos da União Europeia [1].
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maior impacto parecia ser impulsionado pela estimativa do ECL para perdas expectáveis ao longo da vida dos créditos, ou seja, para um nível/estágio 2 de exposições. Os bancos pequenos estimaram um impacto maior nos rácios de capital regulamentar do que os bancos maiores. 

Como tal, os bancos não devem subestimar os desafios inerentes à implementação do IFRS 9. No futuro, uma revisão transversal da implementação dos modelos quantitativos de cálculo de ECL nos bancos, através de exercícios comparativos das estimações (benchmarking), pode ser útil para assegurar a qualidade da implementação do IFRS 9 e uma monitorização regular dos elementos-chave dos modelos de cálculo de ECL. Adicionalmente, é preciso avaliar o possível impacto do IFRS 9 no comportamento dos bancos relativamente à concessão de crédito à economia real.

Benefícios e futuros desafios

Os benefícios do novo regime de contabilidade IFRS 9 são inúmeros. Para começar, foram aperfeiçoados os incentivos para melhorar os processos de avaliação de crédito, a monitorização de under performing exposures (créditos em dificuldade de pagamento) e credit impairments (imparidade de crédito), tal como o planeamento estratégico e de níveis de capital regulamentar. Também é reforçada a transparência e são promovidas divulgações de mercado para os vários agentes. Um aspeto importante a ter em conta no que diz respeito aos benefícios deste novo regime é a necessidade de elevada qualidade do processo de implementação do IFRS 9.

A variação nas provisões entre os bancos será influenciada não só pelos riscos subjacentes dos ativos, mas também pelos pressupostos dos modelos quantitativos de cálculos de perdas estimadas. Os supervisores bancários, e os restantes participantes do mercado devem saber discernir os fatores acima referidos. A principal preocupação é garantir a devida interação entre a estrutura de capital regulamentar e a utilização dos modelos quantitativos de cálculos de ECL na contabilidade.

Transição a 5 anos

Em maio de 2017, a União Europeia adotou um período de transição de cinco anos para mitigar o impacto sobre os níveis de capital regulamentar da implementação do IFRS 9. Assim, foram criadas as condições necessárias para uma introdução progressiva do impacto dos requisitos de imparidade do IFRS 9 no capital regulamentar e nos rácios de alavancagem (leverage). A proporção do “excesso” de provisões por via de ECL (impacto do IFRS 9), incluídas no capital CET1 (como efeito de compensação), vão diminuindo progressivamente ao longo do tempo, com a implementação total prevista para o final de 2022.

Tabela:  Evolução do “excesso” de provisões incluídas no capital CET1 entre 2018 e 2022

Fonte: EU (European Parliament and Council)

Aos bancos que decidem aplicar o período de transição do IFRS 9 é exigida a divulgação dos efeitos desta medida nos respetivos capital regulamentar e rácios de leverage. A melhoria da informação acessível a agentes do mercado garante consistência e comparabilidade, fomentando ainda mais a disciplina do mercado.

Avaliação do Impacto

Em 2017, o impacto estimado para a União Europeia do IFRS 9 no rácio do CET1 foi uma redução de 45 pontos base (pb), sem ter em consideração o período de transição [2]. Em 2018, o impacto negativo imediato no capital regulamentar CET1 (51 pb em média) e o aumento de provisões (9% em média) confirmaram a precisão das estimações do ano anterior. Relativamente à utilização do período de transição (que mitiga o impacto do IFRS9 no capital do CET1), o impacto médio no CET1 que resulta da recuperação de provisões para todos os bancos corresponde a 118 pb [3].

Figura: Impacto no rácio CET1 sem período de transição (data de referência: 1 de janeiro de 2018)


O impacto total estimado do IFRS 9 nos fundos dos bancos é impulsionado principalmente pelos requisitos de imparidade, nomeadamente a estimativa do ECL para perdas expectáveis ao longo da vida dos créditos, isto é, exposições de nível/estágio 2 (instrumentos em que se considera que ocorreu um aumento significativo do risco de crédito desde o reconhecimento inicial, mas para os quais ainda não existe evidência objectiva de imparidade sendo reconhecidos os juros; neste caso, a imparidade refletirá as perdas de crédito esperadas resultantes de eventos de incumprimento que poderão ocorrer ao longo do período de vida residual esperado do instrumento).

Os principais instrumentos e carteiras de crédito para averiguar o impacto são empréstimos e adiantamentos a particulares e empresas não-financeiras. Os impactos são diferentes entre grandes bancos sistémicos (G-SIBs) e bancos mais pequenos (por exemplo, bancos com ativos financeiros totais abaixo de € 100 mil milhões e que tendem a usar o método padrão - Standard Approach-SA - para medir o risco de crédito). Os bancos pequenos preveem um impacto maior nos seus rácios e capital regulamentar do que os bancos maiores, nomeadamente bancos que usam mais frequentemente o método de modelos internos (IRB-Internal Ratings-Based) para medição de risco.

Em relação à mudança dos requisitos de classificação e avaliação dos ativos, o impacto deveria ser limitado para a maioria dos bancos. No entanto, a operacionalização dos novos requisitos de classificação e avaliação implicam o uso de recursos adicionais. Neste caso, os bancos não devem subestimar os desafios que surgirão com a implementação destes requisitos. Adicionalmente, vários bancos anteciparam que os requisitos de imparidade do IFRS 9 aumentariam a volatilidade de lucros e prejuízos. Esta previsão deve-se principalmente ao esperado cliff effect (efeito de variação repentina) proveniente da movimentação de exposições de nível/estágio 1 para nível/estágio 2 (isto é, uma transição de um ECL com estimação de perdas esperadas para os 12 meses seguintes para um ECL com estimação de perdas expectáveis ao longo da vida dos créditos) e do uso prático de informações prospectivas. Em princípio, isto reduzirá as surpresas e atrasos no reconhecimento atempado de prejuízos estimados.

Processo Robusto de Validação e Estrutura de Governação para a Medição do ECL

Durante a implementação do IFRS 9, os bancos (alguns pela primeira vez) necessitam de usar novos processos, dados, sistemas e modelos quantitativos de cálculo de modo a obterem estimativas sólidas para o ELC. Fatores como a qualidade dos dados, a acessibilidade a dados históricos e a avaliação do “aumento significativo do risco de crédito” (conforme exigido pelo IFRS 9) são os desafios mais importantes. Assim, um processo de validação robusto para a estimação do ECL é essencial, sendo necessário que este esteja muito bem definido e implementado para garantir uma monitorização regular dos elementos-chave dos modelos quantitativos de cálculos de ECL.

Uma preocupação especial para supervisores bancários é a esperada redução de cálculos paralelos de IFRS 9 e de IAS 39 (anterior abordagem contabilística), decididas pelos bancos durante a fase de implementação do IFRS 9 e, em alguns casos, a ausência total desses cálculos paralelos. Na perspetiva dos supervisores bancários, cálculos paralelos permitem uma melhor avaliação comparativa e testes dos processos e procedimentos de implementação do IFRS 9 nos bancos. Além disso, a estrutura de governação nos bancos é fundamental, especialmente após a grande crise financeira mundial. Os principais órgãos de governação de um banco, como o conselho de administração e os comité de auditoria, precisam de estar envolvidos na implementação do IFRS 9.

Implicações na estabilidade financeira

Existe um longo debate entre o uso de cálculos ao justo valor ou ao custo histórico para avaliação de ativos financeiros e a utilidade destes métodos para diferentes tipos de ativos nos bancos. Em particular, é de esperar que uma implementação estável e rigorosa do IFRS 9 aumente a transparência e facilite o reconhecimento antecipado e abrangente de perdas por imparidade, que por sua vez se refletiram em efeitos positivos na estabilidade financeira do setor bancário. Existem dois desafios fundamentais para bancos, micro-supervisores e macro-supervisores bancários: o risco de utilização de modelos quantitativos para estimação de perdas e as possíveis implicações de prociclicidade (reinforço de ciclos económicos).

Sobre os riscos de utilização de modelos quantitativos para efeitos de estimação de perdas em IFRS 9 o assunto assemelha-se às discussões sobre a implementação dos modelos internos de cálculo de capital regulamentar (IRBs). Como foram áreas para potenciais incertezas nas melhorias futuras foi necessário um papel de supervisão bancária mais forte na validação formal desses modelos quantitativos internos. Por essa razão, deve ser sublinhada a importância para as autoridades e bancos do desenvolvimento de exercícios [4] de comparações transversais entre bancos, conduzidas por entidades de supervisão (EBA, BIS e autoridades nacionais) para os modelos internos (IRB) utilizados nos requisitos de capital. Os exercícios de benchmarking significam que os modelos internos dos bancos são comparados com benchmarks do sector bancário. Para os modelos internos IRB, estes exercícios tornaram-se obrigatórios a nível europeu e são úteis para a avaliação dos modelos internos e para a credibilidade do cálculo de requisitos de capital ativos ponderados pelo risco (RWA). Estes exercícios comparativos também podem ser úteis para assegurar a qualidade da implementação do IFRS 9 e a monitorização regular dos elementos principais dos modelos de cálculo de ECL. Uma divulgação adequada de tais benchmarks também será útil, tal como é possível averiguar com os procedimentos do IRB, na perspetiva dos agentes de mercado.

As possíveis implicações pro-cíclicas da abordagem ECL são também um aspeto importante a considerar. Um reconhecimento atempado e prospetivo das perdas de crédito responde às críticas a abordagem contabilística anterior baseada no provisionamento apenas de perdas incorridas por ser “muito pouco, muito tarde”; assim, ao acelerar o reconhecimento de perdas, o IFRS 9 pode vir a melhorar a estabilidade financeira do setor bancário, reduzindo a acumulação de prejuízos provenientes de um reconhecimento muito tardio (ou seja, um nível mais baixo ou nulo de reforço do ciclo económico, isto é menos pro-cíclico, em comparação com a abordagem contabilística anterior). Assumindo que a desaceleração, ou suas implicações são identificáveis suficientemente cedo, então é possível reduzir a severidade da pro-ciclicidade e a contração do nível de crédito concedido em caso de ciclo económico negativo. É esperado que os agentes do mercado se acostumem à nova abordagem de cálculo de ECL baseando-se na experiência e reconhecimento de perdas anteriores. Se as perdas forem reconhecidas atempadamente, a sensibilidade aos ciclos económicos dos parâmetros de risco dos modelos quantitativos usados na estimação dos ECLs e das transições entre os níveis de exposições não reforçarão o ciclo económico, muito pelo contrário.

Conclusão e áreas de desenvolvimento futuro

Os reguladores bancários da União Europeia estão a contribuir para uma implementação estável do IFRS 9. Paralelamente, é espectável que os bancos continuem a melhorar os elementos da implementação do IFRS 9 após sua introdução inicial em 2018. Numa análise económica é importante compreender como as diferenças na implementação do IFRS 9 podem afetar as estimações do ECL. Neste sentido, comparações e benchmarks serão uma ferramenta de supervisão bancária muito útil e viável.

Finalmente, o possível impacto no comportamento de crédito concedido à economia real precisa de ser avaliado e existem vários aspetos que devem ser considerados numa análise económica. Existem ainda vários tópicos que necessitam de ser avaliados:

·         Como continuará o IFRS 9 a influenciar os rácios de capital dos bancos?

·         Como vão os bancos responder às mudanças dos requisitos de capitais regulamentares provocados pelo IFRS 9?

·         Os bancos irão alterar a estrutura de capital, os níveis de crédito concedido, o tipo de ativos e a evolução do balanço?

O impacto combinado de todas estas vertentes é difícil de estabelecer antecipadamente, tendo em consideração as preocupações micro-prudenciais e macro-prudenciais. Consequentemente, estas e outras questões devem ser consideradas numa nova revisão pós-implementação do IFRS 9, para a qual estudos académicos contribuirão.

 

Este artigo é baseado no Capítulo 6  "The Impact of IFRS 9 On Banks Across The EU And Implementation Challenges" pelo Professor Samuel Da-Rocha-Lopes, como parte do livro Institutions and Accounting Practices after the Financial Crisis: International Perspective

Notas

[1] As opiniões expressas são apenas do autor e não podem ser atribuídas à European Banking Authority, (EBA), Nova School of Business and Economics (Nova SBE) ou Aarhus University.

[2] EBA Report on Results from the Second EBA Impact Assessment of IFRS 9, July 2017. Os gráficos são baseados em estimações dos bancos com referência a 31 de Dezembro de 2016.

[3] EBA Report on First Observations on the Impact and Implementation of IFRS 9 by EU Institutions. As observações preliminares dos bancos são na maior parte dos casos baseadas no segundo trimestre de 2018.

[4] Paolo Bisio, Samuel Da-Rocha-Lopes, and Aurore Schilte. Europe’s New Supervisory Toolkit (2015: Risk Books).

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Publicado em 
20/3/2019
 na área de 
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