Processos de negociação caracterizados por elevada tensão e confrontação são recorrentes e representam perdas para ambas as partes. Neste artigo, compilamos algumas dicas do Professor Luís Almeida Costa sobre como evitar o agravamento de conflitos e criar uma atmosfera de negociação construtiva.
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o mundo dos negócios, a negociação é uma constante. Por isso, é fácil reconhecer as vantagens de criar uma atmosfera colaborativa que favorece a criação de valor enquanto se negoceia. Contudo, processos de negociação caracterizados por elevada tensão e confrontação são ainda recorrentes. E é no decorrer destes mesmos processos que encontramos negociadores irritados, frustrados e ofendidos, que se desafiam egos e a objetividade desaparece. Esta combinação resulta, assim, em perdas incalculáveis para as partes envolvidas.

A história de uma negociação conflituosa entre um Retalhista e um Fornecedor

O Retalhista e o Fornecedor lutam por espaço na prateleira

A título ilustrativo, considere a seguinte negociação entre um Fornecedor e um Retalhista que se passou há uns anos. O processo começou quando o Fornecedor pediu ao Retalhista que garantisse espaço de prateleira para todos os seus produtos novos e que aceitasse toda a sua gama sem contestação. No entanto, este pedido era inaceitável para o Retalhista, visto que restringia a sua capacidade de ajustar o portfólio de acordo com as preferências do consumidor, que indicavam um aumento da procura por marca própria. Como o espaço é limitado e diversos produtores pediam exatamente o mesmo, seria impossível satisfazer o pedido deste fornecedor em específico. Além disso, seria também injusto abrir uma exceção e descriminar outros produtores importantes.

Perante esta situação, as partes tomaram posições extremas. O Fornecedor argumentou que, graças à sua margem de mercado e à força das suas marcas, qualquer produto novo iria ser um sucesso. Como resposta, o Retalhista relembrou a relação de longo prazo que os unia e os resultados fantásticos que só foram possíveis com cooperação mútua!

A luta do Retalhista e do Fornecedor passa a ser sobre preços

Face à recusa do Retalhista, o Fornecedor decidiu passar a outro assunto: o retalhista deveria aceitar um aumento de preço de pelo menos 2.5% para ajustar à inflação. Como os restantes retalhistas já tinham aceite este aumento, este não deveria ser exceção. Desafiando o expectável, o Retalhista recusou a proposta, argumentando que no contexto de descida de poder de compra em que viviam seria irrealista subir preços.

O Retalhista e o Fornecedor entram em espiral de retaliação

Por esta altura, os representantes do Fornecedor já estavam bastante chateados, visto que consideraram esta última recusa inaceitável. Como uma das maiores empresas de bens de grande consumo no mundo, com um crescimento de quase 8% naquele mercado no ano anterior, eles deveriam ser tratados com respeito! Irritados com a falta de flexibilidade do Retalhista, o Fornecedor decidiu não oferecer descontos nos seus produtos. Como retaliação, o Retalhista retirou de linha 70 produtos deste fornecedor.

Seguiu-se uma ameaça do Fornecedor de subir o preço de todos os produtos em 30% se o retalhista não reconsiderasse a sua posição. O Retalhista reagiu descontinuando 300 produtos do Fornecedor.

O conflito continuou a escalar: o Fornecedor lançou uma grande campanha publicitária que afirmava que os seus produtos estavam disponíveis noutro lugar, numa tentativa de desviar tráfico das lojas do Retalhista para a concorrência. E o Retalhista respondeu lançando uma campanha a promover outras marcas, em particular a marca própria. Como resultado desta espiral negativa de conflito, ambas as partes perderam imenso, numa situação em que o agravamento de conflito foi extremo.

A moral da história

Por estranho que pareça, até negociadores experientes ficam frequentemente frustrados com relações problemáticas e situações de impasse e destruição de valor. Por isso, compreender as circunstâncias que dificultam processos de negociação é de extrema importância na gestão de conflitos.

Na realidade, espirais negativas de conflito podem resultar de fatores psicológicos que levam as partes a persistir com um plano de ação que diverge do que racionalmente faria sentido. Nestes casos, a incapacidade de aceitar a derrota pode levar à batalha das "vontades" e, como resultado, a uma situação de perda para os dois lados.

O agravamento de conflitos pode também começar com erros na estrutura da negociação e na gestão do processo. As negociações são frequentemente estruturadas em torno de um único tópico, "o problema" que afeta ambas as partes, e que neste exemplo era o espaço de prateleira. Quando a negociação se desenrola em torno de um único tópico, a negociação é meramente distributiva: uma parte ganha à custa da outra. Esta lógica de negociação contribui para um nível mais elevado de tensão, por vezes até de confrontação, na negociação.

Em contraste, negociações que envolvem mais do que um tópico têm uma dimensão integradora, visto que as partes identificam oportunidades de gerar valor conjunto. Com o crescimento da agenda, é possível identificar assuntos não controversos, onde as preferências das duas partes apontam na mesma direção. Além disso, como as partes valorizam assuntos controversos de forma diferente, é possível identificar trade-offs lucrativos: uma parte pode desistir de uma coisa que valoriza menos, em troca de algo mais valioso para si. Nesse sentido, a identificação de situações win-win contribui para criar um ambiente de negociação construtivo e colaborativo.

Quando as partes estão demasiado focadas em resolver um único problema, não têm a capacidade de colocar as coisas em perspetiva e identificar outros assuntos que podiam alterar significativamente o rumo da negociação. E mesmo quando outras variáveis são introduzidas na negociação, como é o caso do preço no exemplo acima, os diferentes assuntos são discutidos de forma isolada e a abordagem à negociação é assunto a assunto, ao invés de combinada.

Dicas para evitar o agravamento de conflitos

1. Melhore a comunicação.

Processos de negociação difíceis surgem geralmente porque executivos e decisores subestimam a importância de construir relacionamentos construtivos. Muitos negociadores ainda acreditam que a melhor maneira de alcançar os seus objetivos é exercer pressão máxima, insistir na sua posição, usar linguagem agressiva e desrespeitosa, e enganar o outro lado. Eles parecem ignorar que o nível de satisfação de um negociador é determinado não apenas pelo resultado final, mas também pelo processo de negociação. Assim sendo:

·         Use linguagem suave e apropriada;

·         Seja cortês;

·         Mostre apreço pelo outro;

·         Ouça ativamente;

·         Reconheça o ponto de vista do outro;

·         Faça tudo para evitar mal-entendidos.

2. Não coloque a sua credibilidade em risco.

Quando se perde a credibilidade, a confiança desaparece e trabalhar construtivamente para identificar oportunidades de criação de valor para ambas as partes torna-se virtualmente impossível. Um relacionamento baseado na confiança, respeito e compreensão mútua resulta em negociações mais fáceis e mais eficazes. Para tal:

·         Não assuma compromissos que não é capaz de honrar;

·         Não seja apanhado numa mentira;

·         Não abra a negociação com uma oferta ultrajante;

·         Não retire uma oferta sem ter um forte motivo para o fazer.

3. Respire fundo e relembre estes conselhos quando a tensão começar a aumentar!

Esta publicação foi inspirada no artigo "Escalation of Conflict in Negotiations" do Professor Luís Almeida Costa.

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Publicado em 
23/2/2022
 na área de 
Gestão & Estratégia

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