A transformação digital é um processo em construção e a prioridade, neste momento, é não travá-lo. Tiago Godinho, responsável do Digital Experience Lab da Nova SBE, explicou à Executive IT o papel da academia e a forma como a tecnologia está a moldar o mundo em nosso redor.

Qual o papel da academia na transformação digital que está a ocorrer nas empresas em Portugal?

A academia pode ter um contributo muito importante no apoio aos processos de transformação digital das empresas: em primeiro lugar apoia as organizações no desenvolvimento da sua literacia digital, isto é, no conhecimento das principais tendências e enablers tecnológicos e da maneira como estes podem servir o negócio. Este tipo de conhecimento é fundamental, pois é a partir do mesmo que a tecnologia se encontra com a realidade concreta de cada organização. Se eu não entender o que é o 5G ou a Inteligência Artificial, dificilmente vou conseguir imaginar as oportunidades que o meu negócio poderá encontrar nestas tecnologias. Por outro lado, a academia é um centro de produção de conhecimento, quer pelo trabalho de investigação que produz, quer pelo contacto próximo que tem com o mundo corporativo e institucional. Este posicionamento permite à academia acompanhar, agregar e analisar os exemplos, boas práticas, principais oportunidades e riscos inerentes à transformação digital que se vai observando no tecido empresarial e institucional. Para além destas dimensões, existe uma terceira relacionada com a missão fundamental da escola: a formação. A academia pode ajudar na capacitação do capital humano, seja no contexto da preparação dos futuros colaboradores, seja no reskilling e upskilling dos colaboradores actuais das organizações.

 

Quais os objectivos do Nova SBE Digital Experience Lab (DEL)?

Ser um ponto de encontro entre as pessoas e a tecnologia, para que daí resulte um entendimento mais claro da maneira como a tecnologia pode servir o negócio. Esta missão tem o seu fundamento na convicção da Nova SBE de que o skillset dos executivos de hoje deve conter um nível substancial de literacia digital, que lhes permita navegar um mundo de negócios cada vez mais tecnológico. Por isso, a integração do Digital Experience Lab no Innovation Ecosystem da Nova SBE resulta dessa ideia de que a competitividade presente e futura das organizações será digital by default.

 

Quais as principais actividades?

O DEL actua sobretudo na vertente educativa, pensando e preparando programas de formação de executivos ligados à transformação digital e à tecnologia. Nestes programas, são utilizadas as metodologias inovadoras da Nova SBE, que são complementadas por workshops práticos de empatia com tecnologias concretas, como a Realidade Virtual / Realidade Aumentada, cibersegurança, blockchain, entre outras. Mas como a literacia não se constrói só em sala de aula, organizamos também eventos de discussão e debate sobre as oportunidades e os riscos que a tecnologia tem nos negócios. Estes eventos destinam- se a executivos e estudantes da nossa comunidade, pois enquanto parte do Innovation Ecosystem da Nova SBE, queremos ser ponte entre estes dois grupos.

 

De que forma estas atividades se relacionam com as empresas fora do contexto académico?

O Innovation Ecosystem (IECO) da Nova SBE, ao ser um espaço de diálogo e colaboração para a comunidade na escola – alunos, professores e investigadores – e para o mundo corporativo tem a missão de apoiar a faculdade a entregar à sociedade o conhecimento que se produz na academia. O Digital Experience Lab, enquanto parte do IECO, dá apoio nessa missão.

 

Que parcerias existem actualmente e para que projectos?

O Digital Experience Lab conta com um conjunto de parceiros tecnológicos, especialistas nas suas áreas, que nos dão apoio nas nossas iniciativas. A mais recente parceria neste contexto foi estabelecida com a Imprensa Nacional / Casa da Moeda e com uma empresa israelita chamada CyberGymIEC. Desta parceria nasceu uma oferta de formação Nova SBE em cibersegurança, através da qual pretendemos apoiar as organizações e, em especial, as suas lideranças, no desenvolvimento da sua cyber literacia.

 

A pandemia terá servido para acelerar em alguns anos a transformação digital em Portugal. O que é importante transformar no ponto onde estamos agora?

A pandemia teve o condão de obrigar as empresas a digitalizar as suas operações, sob pena de não conseguirem operar de todo. Mas este sentido de urgência levou algumas empresas a digitalizar em vez de transformar digitalmente. Pode parecer um jogo de palavras, mas não é: a transformação digital não é só pegar num processo convencional, físico, e transformá-lo em digital. É pensar de novo: «como é que posso melhorar a maneira como levamos a cabo esta actividade, com o apoio destes enablers tecnológicos?». Temos vindo a entrar no pós-pandemia e vemos algumas empresas a voltar atrás com algumas medidas mais digitais, como por exemplo a possibilidade de teletrabalho. Julgo que essa será a principal transformação a fazer agora: a de reflectir sobre os benefícios que esta transição digital forçada trouxe, reconhecer o contributo que a tecnologia teve durante estes difíceis dois anos e, nessa base, dar continuidade à adoção de tecnologia sempre que esta possa servir o negócio.

 

No que diz respeito à digitalização do Estado, quais os pontos prioritários em Portugal?

No meu entender, existem dois eixos de actuação muito importantes: o operacional e o legislativo. No primeiro, importa continuar a trabalhar a transformação digital da Administração Pública e dos serviços disponibilizados aos cidadãos, nos quais têm sido feitos progressos significativos nos últimos anos. À medida que a literacia digital dos cidadãos vai aumentando, o Estado tem no digital um meio de proximidade de grande utilidade para a sua missão. Mas ainda neste eixo, é também importante fomentar a transformação digital das empresas. Só assim conseguiremos ter um tecido empresarial competitivo, no mundo de hoje, que já é tecnológico e global. Claro que nada disto terá sucesso se a legislação não estiver preparada para acomodar o digital. É por isso que entendo que um segundo eixo prioritário é o de trabalhar com o legislador para o ajudar a entender o papel da tecnologia, de maneira que do seu trabalho resulte legislação que incentive e apoie a adopção de tecnologia, em vez de a travar.

 

Como estamos a associar toda esta transformação ao tema da sustentabilidade?

A tecnologia pode ser um grande enabler da sustentabilidade. Segundo uma análise do World Economic Forum, a utilização de tecnologia para fazer planeamento e gestão inteligente de activos pode levar a uma redução de 8,8 mil milhões de toneladas de emissões de CO2 até 2025 no sector energético. O 5G poderá ajudar, por exemplo, na automatização da agricultura (onde, mesmo com 4G, já se têm feito avanços expressivos). A IoT está a trazer novas formas de gestão de infraestruturas que tornarão edifícios e cidades mais inteligentes e energeticamente sustentáveis. Temos no nosso Ecossistema de Inovação algumas destas empresas, que trabalham soluções de smart cities, que permitem uma gestão muito mais apurada da iluminação e outros recursos públicos. Claro que existem também desafios: estima-se que só em 2019 tenham sido geradas 53,6 milhões de toneladas métricas de lixo electrónico. É uma consequência de uma sociedade mais digitalizada, que teremos de aprender a mitigar rapidamente, sob risco de acabarmos numa vitória de Pirro nesta batalha por um mundo mais sustentável.

 

Quais as grandes tendências de futuro em matéria de digitalização?

Creio que continuaremos a ver um movimento no sentido da personalização de experiências, serviços e relação. As redes 5G virão ajudar nesta matéria, possibilitando a geração, transacção e análise de mais dados, levando a algoritmos de inteligência artificial mais inteligentes, que irão oferecer a cada consumidor experiências mais personalizadas. As tecnologias imersivas irão beneficiar bastante destas condições criadas pelo 5G, o que trará novos casos de uso para Realidade Virtual e Realidade Aumentada, que entendo ser também uma tendência tecnológica a observar. E temos também o tão falado metaverse, que poderá muito bem vir a ser o próximo patamar da evolução digital a que temos assistido.

 

Que grandes disrupções poderão acontecer ainda nesta década face ao que conhecemos?

Creio que a grande mudança a que iremos assistir nos próximos anos é uma nova iteração da internet - a Web 3.0. Esta versão da internet é possível graças às tecnologias de distributed ledger (das quais o blockchain é o exemplo mais conhecido), que permitem criar propriedade sobre activos digitais. Desde meados de 2005 que vivemos na segunda iteração da internet, a Web2, onde não somos verdadeiramente donos de nada no mundo virtual. Acedemos a músicas, imagens, vídeos, itens de um jogo de vídeo, etc. através de plataformas centralizadas, cujo acesso poderemos perder caso estas assim decidam. Mais a mais, fora destas plataformas, a propriedade é dificilmente verificável. O exemplo dos dados pessoais é interessante neste aspecto: a apropriação dos nossos dados por parte das plataformas que utilizamos foi de tal forma extensiva, que se tornou necessário desenvolver legislação especifica para devolver ao utilizador o controlo sobre este activo digital. Convenhamos: os negócios, a sociedade, as nossas vidas – o mundo no geral – tem feito um caminho de digitalização crescente. Assumindo que esta tendência não irá desacelerar, a nossa existência será cada vez mais digital. É, por isso, natural que comecemos a querer ter no espaço digital, da mesma maneira que podemos ter no espaço físico.

Neste aspecto a Web3 e o metaverse potenciam-se mutuamente. Imaginemos que tenho família no Brasil, com quem costumo fazer uma videochamada uma vez por semana. Porque é que não hei-de tornar essa experiência de encontro mais imersiva, passando do 2D do ecrã para o 3D num espaço no metaverse? E se estes encontros forem frequentes, porque não ter o meu próprio espaço, decorado à minha maneira? O mesmo se aplica à minha representação digital: porque é que a minha imagem no espaço digital não pode ter o tipo de roupa que melhor me define?

Todas estas coisas são activos digitais que podemos ter através da Web3. É fácil imaginar que isto venha a criar novos negócios, formas de relacionamento entre empresas e clientes e outras oportunidades.

Este artigo trata-se de uma republicação de uma entrevista publicada na edição de abril da ExecutiveIT.

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Liderar a Transformação Digital?
Publicado em 
4/5/2022
 na área de 
Digital & Tecnologia

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