Como me sinto? O que me move? O que me estimula? Do que tenho medo e escondo com comportamentos estranhos? Como posso melhorar e fortalecer as minhas relações?
T

antas questões sem resposta, numa sociedade que nos últimos 250 anos privilegiou sobretudo a racionalidade.

Como pudemos desvalorizar e nos dissociar dessas questões de tamanha importância? Assim, devemos-nos perguntar como integrar a razão com as nossas mais-valias pessoais e optimizar as nossas fraquezas para um nível de funcionamento aceitável.

Disciplinas como a História, a Antropologia e a Sociologia podem-nos certamente dar respostas sob perspectivas muito úteis. Felizmente, a neurociência captou a atenção das Humanidades e desta colaboração novas narrativas sobre a nossa natureza estão a integrar aquilo que até recentemente era considerado inútil, fútil, “feminino” e sentimental. No fundo, a ciência está a dizer-nos o que já conseguíamos apreender de mitos e metáforas. A ciência é como uma carta enviada a todas as partes do mundo, sem a necessidade de tradução. Ainda assim, muitas vezes nos faltam as palavras e a sintaxe para nos exprimirmos num mundo em rápida mudança e pleno de desafios.

Percepcionamos, sentimos, imaginamos, analisamos e recuperamos da memória, criando memórias do futuro com histórias que contamos a nós próprios. Que história estamos a contar sobre o futuro? Que tipo de roteiro estamos a revelar ao nosso cérebro pessoal e ao colectivo?

Durante algum tempo, a tecnologia pareceu ser o factor libertador do sofrimento e potenciador das ambições da humanidade. Confiámos em cada novo avanço para solucionar os nossos problemas mais profundos. De facto, a tecnologia permitiu conquistas extraordinárias à nossa espécie nos mais diferentes campos da nossa existência. No entanto, se é verdade que reduziu o sofrimento humano, por outro lado, ao sobrevalorizar a Razão, causou também novos desequilíbrios e originou novas fontes de sofrimento, não só humano como também ambiental.

As nossas histórias são velhas histórias recicladas. Já vimos a devastação de árvores em ilhas onde magníficas figuras de pedra transmitem a ideia da luta pela sobrevivência. Sabemos da existência de tempos apocalípticos, onde o desconhecimento científico colocou os humanos a lidar com as pandemias através da superstição.

Como podemos fazer melhor agora?

Mesmo nestes nossos tempos altamente tecnológicos, esta pandemia continua a ser um “problema bicudo” porque veio de surpresa, tornou-se global e está a forçar-nos a reflectir e a mudar os nossos hábitos. Está a causar sofrimento, mas está também a abrir o sistema à mudança e para o emergir de novas e mais eficientes soluções para os nossos desafios.

Se olharmos para a forma como lidamos com a nossa própria saúde, podemos sentir-nos tentados a pensar que uma solução tecnológica irá salvar-nos. À medida que os sinais de sofrimento chegam à nossa consciência, nós, enquanto seres humanos, podemos recorrer à nossa poderosa intencionalidade a fim de contrabalançar os desequilíbrios reais dos sistemas de saúde individuais e colectivos. Mas quantas vezes ignoramos os sinais, disfarçando a disfunção com camadas superficiais de soluções dormentes?

Precisamos de casar os grandes avanços da ciência e tecnologia com a nossa intencionalidade consciente e filtrar os nossos impulsos e forças para cumprir um propósito. É isto que nos dá motivação, energia e resiliência. Mas se continuarmos a usar a ciência e a tecnologia para nos livrarmos dos sintomas, permitindo que o processo de desequilíbrio permaneça sem verificação, livre para continuar a danificar, estamos apenas a traçar o caminho em direcção a outros “problemas bicudos”, talvez até mais desestabilizadores.

O plano da política desdobra-se num prazo demasiado curto para permitir qualquer evolução real do nosso propósito humanístico e social. Como os programas cerebrais primitivos continuam a dominar o palco das nossas crenças e valores, coisas como as lutas de poder, os negócios virados só para o lucro, os impulsos de açambarcamento e as competições insensatas irão continuar a mover-se livremente nas nossas sociedades, enfraquecendo os verdadeiros princípios da democracia e do humanismo.

As instituições precisam de co-evoluir a par do desenvolvimento da interioridade dos indivíduos. Precisamos de desenvolver a Inteligência Emocional desde a primeira infância, ao longo da escola primária e universidade. Precisamos de complementar o acompanhamento da gravidez com treino de mindfulness ou outras formações em autoconsciência e autorregulação. Esta forma de inteligência é o que nos permite ter a consciência de impulsos primitivos bem enraizados, reconhecendo-os por aquilo que são: apenas e tão-somente impulsos humanos que não necessitam de que sobre eles se actue. Só então poderemos potenciar relações mais saudáveis e fortes, capazes de respeitar o outro e também resistir a tempos incertos.

Com formação podemos casar razão com regulação emocional. Ao integrarmos estas poderosas ferramentas humanas abrimos a esperança a um futuro mais equilibrado e bem-sucedido.

Publicado em 
6/11/2020
 na área de 
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