verdade é que, na maioria das vezes, quando falamos com alguém não estamos à espera de um simples diálogo ou uma troca circunstancial de palavras. Esperamos algum tipo de reconhecimento, validação e, se possível, a construção de algo novo. Quantas vezes sentimos que não somos ouvidos nas nossas equipas, famílias ou relações? Quantas vezes as pessoas falam por cima umas das outras em reuniões? Quantas guerras e conflitos poderiam ser evitados, se nos ouvíssemos genuinamente? Quantas coisas deixámos por aprender por não estarmos a prestar atenção genuína? Todos reconhecemos o valor de sermos ouvidos, mas será que somos capazes de ouvir? Ernest Hemingway no seu livro “Na Outra Margem, entre as Árvores” escreveu: “Quando as pessoas falam, ouça verdadeiramente o que elas têm a dizer. A maioria das pessoas nunca faz isso”.
Ao longo dos milénios, o ato de ouvir foi uma importante ferramenta de reconhecimento dos outros, de recolha de conhecimento e de construção de novas coisas. Antes da invenção da escrita, foi mesmo a mais importante das ferramentas para a receção de informação relevante para cada indivíduo e para a comunidade. Não é, portanto, de admirar que a escuta genuína, tal como o silêncio, tenha sido exaltada por sábios, lideres espirituais, artistas e muitos outros. Uma ferramenta crucial que requer paciência e a habilidade de cada um se focar no momento presente. Esta é a razão porque nos debatemos tanto com ela. A realidade é que somos constantemente levados pela nossa mente agitada e pelas necessidades do nosso ego:
- Distraímos-nos com os nossos pensamentos;
- Fazemos suposições sobre a outra pessoa ou sobre o que está a dizer;
- Desenhamos na nossa mente uma resposta pronta a sair;
- Podemos sentir-nos atacados e com vontade de nos protegermos;
- Podemos estar mais preocupados em arranjar contra-argumentos do que em entender o que está a ser dito;
- Podemos até tentar ouvir em simultâneo uma outra conversa ou uma música de fundo que esteja a tocar;
O resultado é que acabamos por ouvir e entender metade do que está a ser dito.
Ouvir significa encontrar dentro de nós um lugar de serenidade que nos permita guardar silêncio quando alguém fala, intervindo apenas no momento oportuno. Um lugar que permita que julgamentos pré-concebidos não influenciem o entendimento do que a outra pessoa está a dizer, sentir e experienciar. Ouvir significa dar lugar à humildade e compaixão em detrimento das necessidades de defesa e ataque do ego. Desta forma, colocando-nos no lugar da outra pessoa, podemos considerar as coisas sob outra perspetiva. Quando não o fazemos, dividimos o Mundo em “eu” contra “tu” e “nós” contra “eles”, estimulando os conflitos e aprofundando a polarização. Quanto mais polarizados estamos, menos ouvimos. No fim, todos nós temos uma voz que merece ser ouvida.
Da mesma forma que podemos aprender a ouvir verdadeiramente os outros, podemos também aprender a ouvir-nos a nós próprios. Quantas vezes sentimos que não ouvimos as nossas reais necessidades? Quantas vezes sentimos que não ouvimos o nosso corpo? E a voz da nossa alma? Quantas guerras internas poderiam ser evitadas se afastássemos os preconceitos e julgamentos que temos sobre nós? O que é curioso é que da mesma forma que a nossa mente agitada não nos permite que escutemos os outros, o mesmo acontece quando tentamos escutar-nos. É por isso que a paciência, humildade e compaixão são também ferramentas cruciais quando queremos ouvir a nossa voz interior. Por essa razão as necessidades do ego e as distrações do nosso dia-a-dia precisam de ser reconhecidas e entendidas.
Quando permitimos, o nosso corpo e a nossa alma podem falar connosco e aconselhar-nos no que é melhor para nós. Todos sabemos que uma indisposição é uma forma do nosso corpo dizer-nos que comemos ou bebemos algo que não é bom para nós; que a dor é um sinal que algo de errado se passa; que a falta de energia é um conselho para descansarmos mais, comermos melhor ou para sermos menos sedentários. Mas será que ouvimos verdadeiramente o nosso corpo? Atuamos no que nos diz? Já a nossa alma pode falar connosco através da nossa intuição: quando experienciamos sentimentos de expansão e leveza, sabemos que estamos no caminho correto. Por outro lado, sentimentos de contração e peso indicam que uma correção no caminho pode ser necessária. Será que estamos a ouvir a voz da nossa alma ou estamos a insistir nos caminhos de sempre? Dentro de nós há uma fonte de saúde, abundância, conhecimento e criatividade. É por isso que quando ouvimos genuinamente o nosso corpo e a nossa alma fazemos melhores escolhas na nossa vida. Escolhas mais alinhadas com quem somos. Mas para a interpretação correta desses sinais, precisamos de uma mente calma e focada. Precisamos de saber ouvir.
É verdade que ouvir é um estado recetivo, mas é também uma ferramenta ativa. É uma arte que requer empenho e disciplina. Mas é quando aprendemos a ouvir os outros que passamos a entendê-los como companheiros de viagem na Vida. Quando aprendemos a ouvir-nos a nós próprios, conseguimos descobrir quem somos. Quando ouvimos a Vida encontramos a paz.