Gerir talento numa empresa familiar é uma tarefa particularmente difícil que suscita invariavelmente um conjunto alargado de questões: como preparar os membros da próxima geração? Preparar para o quê? Como atrair gestores qualificados? Como satisfazer os anseios da família e manter motivados os gestores não-familiares? Todos estes desafios se resumem numa pergunta: como gerir talento numa empresa familiar?

Em 2014, Ana Botín assumiu a liderança do Banco Santander, após o falecimento súbito de seu pai, Emílio. Embora alguns comentadores tenham opinado que este processo padeceu de nepotismo, existe ampla e partilhada evidência da aptidão de Ana. Para essa aura de competência terá contribuído o modo como o seu pai se comportou: Dom Emílio sempre foi particularmente exigente com a filha (tendo mesmo chegado uma vez a despedi-la "a pedido" de gestores não-familiares no contexto de um projeto de fusão entre o Santander e outro banco).

Na gestão de talento, como noutros planos da sua atuação enquanto líder da instituição global que desenvolveu com inegável êxito entre 1986 e 2014, o antigo patriarca da família Botín parecia acreditar que o segredo do sucesso passa por uma cuidadosa integração do elemento familiar na condução dos negócios.

A Gestão de Talento está na ordem do dia.

Data de 1988 um artigo célebre publicado no McKinsey Quarterly, onde os autores da consultora declaravam que as empresas estão obrigadas a encarar a gestão dos recursos humanos como uma guerra pelo talento, em que os responsáveis de topo procuram respostas a perguntas como "porque é que um gestor realmente bom há-de querer juntar-se à minha empresa?" ou "como é que vou conseguir reter esse quadro por mais do que apenas um par de anos?".

Passado mais de um quarto de século sobre a publicação do artigo, a gestão de talento continua a ser um tema relevante, conforme se pode verificar pelo resultado de um inquérito recente da KPMG, onde 418 líderes de empresas multinacionais admitem que a disputa de talento será um dos seus maiores temas de enfoque no futuro próximo.

As Empresas Familiares devem investir na Gestão de Talento, por maioria de razão.

Se a temática é relevante - por razões mais ou menos evidentes - para qualquer organização que ambicione ter sucesso, ela torna-se indispensável para uma empresa familiar, onde às ditas razões óbvias acresce um conjunto de considerações particulares.

·         A gestão do talento familiar é um dos pilares (a par da consolidação dos ativos familiares e do fortalecimento da união familiar) em que assenta a sustentabilidade da empresa familiar ao longo das gerações: quando a família procura desenvolver os seus membros para que possam ser indivíduos industriosos, realizados e contribuidores - qualquer que seja o caminho que escolham - ela está a investir no seu futuro, porque essas pessoas compreendem melhor o seu papel no sistema a que chamamos "empreendimento familiar" (um conceito mais lato do que o negócio familiar propriamente dito) e mais facilmente vão encontrar a sua forma de contribuir para a missão e para os objetivos da família.

·         Quando não devidamente enquadrado, o elemento familiar pode constituir um obstáculo à gestão do talento não-familiar na empresa: por um lado, o espectro do nepotismo (real ou imaginado) é um dos principais motivos de desconfiança para gestores profissionais que ponderam a possibilidade de se juntar aos quadros de uma empresa familiar; por outro lado, são muitas vezes os motivos familiares que levam os decisores familiares a sentir desconforto perante a possibilidade de ir buscar talento fora do perímetro da família (aquela pessoa será de confiança?).

·         A gestão de talento tem uma influência direta e determinante num dos processos mais críticos à sobrevivência das empresas familiares - a sucessão: afinal, escolher a(s) pessoa(s) que irá(ão) substituir o atual líder do negócio deve, idealmente, passar pela conjugação de talentos nas várias esferas (família, proprietários e gestão) e das diferentes origens (familiar e não-familiar).

Nas empresas familiares, ter uma governance adequada pode ser um catalisador significativo para uma Gestão de Talento eficaz.

Quando falamos de governance no contexto das empresas familiares, devemos pensar no governo societário clássico - um conjunto de objetivos, estruturas, políticas e atividades que permitem enquadrar a atuação da gestão, garantindo que a empresa está a fazer o Bem (para além de fazer bem - o Bem surge aqui não tanto como conceito moral, mas sim como sinónimo daquilo a que podemos chamar o objetivo último de uma empresa: criar valor para os acionistas num contexto de sustentabilidade e de respeito pelos stakeholders) - mas sobretudo naquilo a que designamos o governo familiar. O governo familiar, muitas vezes atribuído ao chamado conselho de família, tem por objetivos:

·         ajudar a família a definir a direção e alcançar a missão;

·         apoiar a família a manter determinação e união;

·         consolidar os laços entre os familiares, o negócio e as outras atividades relevantes;

·         manter a disciplina familiar em relação ao negócio e às outras atividades relevantes;

·         desenvolver donos e membros familiares leais, informados, capazes e contribuidores (e que simultaneamente valorizam o valor acrescentado aportado por não-familiares aos diversos níveis. ).

Um bom governo familiar pode alavancar a gestão de talento nas três frentes referidas anteriormente:

·         ao nível do talento familiar, por exemplo através (a) do investimento estruturado na educação e no desenvolvimento dos membros familiares em geral e (b) da elaboração e aplicação de políticas de emprego e de remuneração para os membros familiares especificamente envolvidos no negócio.

·         ao nível do talento não-familiar, por exemplo (a) levando a família a reconhecer as vantagens de poder contar com skill-sets de profissionais que complementem as capacidades da família e (b) pelo efeito mitigador sobre eventuais perceções de nepotismo que se consegue obter através das políticas de emprego para membros familiares acima referidas.

·         ao nível da sucessão, nomeadamente levando a família a encarar o assunto como um processo e não como um evento e a estruturar esse mesmo processo com o apoio de pessoas independentes qualificadas (recorrendo por exemplo ao apoio de administradores não-executivos, que muitas vezes prestam uma ajuda determinante).

Estas boas práticas são apenas algumas das que constituem uma panóplia mais vasta de ferramentas ao dispor de quem pretende gerir o talento na sua empresa familiar e dispõe de um sistema de governance familiar.

Concluindo:

A gestão de talento deve merecer especial atenção nas empresas familiares, na medida em que a matéria se reveste de algumas particularidades no contexto daquelas organizações. Investir na governance familiar é um passo essencial para vencer o desafio e garantir a sustentabilidade da empresa familiar ao longo das gerações.

Conforme não me canso de repetir, nas empresas familiares o segredo está em tirar o máximo partido do elemento familiar, criando vantagens competitivas que as empresas sem influência familiar dificilmente conseguem replicar.

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Publicado em 
16/3/2017
 na área de 
Gestão & Estratégia

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